Qualificação da Cajucultura
Contexto
O município Barreira, situado a 80 km de Fortaleza, conta em 2008 com 19.257 habitantes (IBGE). A agricultura familiar predomina nas atividades econômicas do município, que depende sobretudo da cajucultura. Dessa forma o município é hoje o maior produtor de castanha de caju do Ceará oriundos da agricultura familiar. Em 1986 surgiu a Associação Comunitária de Barreira, que trabalha desde então na organização dos cajucultores do município, mantendo uma Central de Beneficiamento de Castanha de Caju, e desenvolvendo trabalhos comunitários, associativos e produtivos.
O Núcleo de Iniciativas Comunitárias – NIC – uma ONG com atuação regional e sede em Barreira, vem desde 2005 acompanhando a ACB com assistência técnica, consultorias e desde 2006 conta com a parceria da Fundação Konrad Adenauer Fortaleza através do Projeto Agricultura Familiar, Agroecologia e Mercado - AFAM, co-financiado pela União Européia.
Junto à Copacaju – uma cooperativa com 10 mini-fábricas associadas através de um projeto da Fundação Banco do Brasil – foi formado em 2007 um grupo de apoio composto por várias instituições como a Embrapa Agroindústria Tropical, o SEBRAE e a Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial do Ceará – NUTEC, que desenvolveram em conjunto o Projeto “Qualificação da Cajucultura Familiar para o acesso a mercados diferenciados”.
Descrição da Experiência
Desde a sua fundação a ACB, conhecida como PA Rural, incentivou a implantação de mini fábricas em diversas localidades do município, contando hoje com mais de 20 mini-fábricas, das quais quatro adquiriram autonomia na comercialização de uma parte da sua produção no mercado regional. A Central de Beneficiamento de Castanha de Caju da ACB – PA Rural conta hoje com 120 associados, produtores de castanha de caju, organizados em torno de mais de 20 mini-fábricas em gestão familiar. Trabalham 80 pessoas no beneficiamento na Central de Beneficiamento e no beneficiamento nas mini-fábricas, que processam as castanhas dos pequenos agricultores familiares do município Barreira e dos municípios vizinhos.
Em 2007 foram processadas uma tonelada de castanha in natura por dia sendo no ano todo um total de 264 toneladas, produzindo com isto 52 toneladas de amêndoas de castanhas de caju e sendo comercializadas 40% da produção para o mercado interno e 60% para o mercado externo.
Em 2007 a ACB – PA Rural recebeu um investimento no valor de 73.000,00 do Governo do Estado através de recursos do Banco Mundial, para a reforma das instalações físicas e aquisição de equipamentos, adequando a Central aos critérios da certificação. Isso possibilitou a melhoria das condições de beneficiamento da castanha de caju, qualificando-se mais ainda para a exportação e ampliando a sua capacidade de produção de 01 para 03 toneladas/dia.
Através da experiência dos 22 anos do trabalho desenvolvido destacam-se hoje o capital humano disponível, o capital social e o institucional acumulado através de articulações e apoios de diversos atores e parceiros sociais. Igualmente importantes são as oportunidades representadas pelos bens “materiais” (infra-estrutura, equipamentos, etc.) e “imateriais” (reconhecimento do papel social, relações com entidades financiadoras e outros).
Já entre as dificuldades identificadas, destacam-se a fraca organização interna e a pouca capacidade para gestão de projetos economicamente sustentáveis, a falta de capital de giro para garantir a compra de matéria-prima para o beneficiamento, a falta de adequação à qualidade exigida pelo mercado e a concorrência de outros países (especialmente Índia e Vietnã) junto com um mercado consumidor interno não significativo.
Diante deste cenário de desafios, surgiu a necessidade de se trabalhar em parceria atuando com foco nos pontos chave que impedem o desenvolvimento da cajucultura familiar, fortalecendo as potencialidades internas e facilitando o acesso às oportunidades externas. Assim, através de parcerias interinstitucionais, e de uma atuação interdisciplinar, é possível construir um processo abrangente que inclui a certificação orgânica e de comércio justo para garantir resultados concretos e impactos no nível de acesso aos mercados nacionais e internacionais.
Desde o inicio do projeto da qualificação da cajucultura familiar foi trabalhado o protagonismo das duas organizações – ACB e Copacaju – na formulação dos objetivos e estratégias. Inicio de 2008 foi realizada uma oficina de planejamento, envolvendo os cajucultores de Barreira e representantes das 10 mini-fábricas, que fazem parte da Copacaju de diversos municípios do Ceará. Foi construído o plano de ação, desde então colocado em prática, monitorado através de reuniões mensais das instituições de apoio com os representantes dos cajucultores.
Um grupo de 50 produtores e beneficiadores de dez minifábricas de castanhas do caju iniciaram um curso de transição agroecologica e foram realizados os cadastros das propriedades com georeferenciamento das áreas para a adequação aos critérios da certificação. Segundo Vanair Saldanha, presidente da Associação Comunitária de Barreira (ACB), a certificação orgânica e para o comércio justo é uma necessidade “Como não tínhamos o certificado, nossas exportações eram prejudicadas e agora, através do Projeto de Qualificação da Cajucultura Familiar, estamos podendo realizar essa demanda além de qualificar nossa produção”.
Além da certificação o Projeto está proporcionando a criação de uma identidade visual para a ACB além do desenvolvimento de embalagens e logomarca, todas adequadas às exigências do mercado nacional e internacional, notadamente o Europeu que está cada vez mais exigente. A certificadora contratada pela ACB foi o – Instituto de Mercado Ecológico (IMO), já estando em curso à capacitação dos produtores no curso de transição agroecológica das propriedades.
Parcerias
Diversos parceiros estão colaborando no projeto, como a Fundação Konrad Adenauer, que viabiliza o processo de formação em agroecologia, assessorando na comercialização e no acesso aos mercados. O DED apóia através de cooperantes que realizam assessorias de comercialização. A Embrapa Agroindústria Tropical financia capacitações dos cooperados na área de Qualidade e apóia a participação em feiras e eventos, e a certificação. O Sebrae viabiliza capacitações na área de Boas Práticas de Fabricação e apóia a participação em feiras de negócios. O Núcleo de Iniciativas Comunitárias – NIC atua na animação do grupo de produtores, coordenando as ações locais, a Prefeitura Municipal de Barreira apóia através da cessão de maquinários e apoio logístico. A Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial do Ceará – PROGEX Apoio Tecnológico à Exportação viabiliza consultorias técnicas de avaliação de todas as etapas do processo, visando à melhoria da qualidade dos produtos de caju, oferece consultoria para o desenvolvimento de novos produtos, melhoria das embalagens e material promocional; consulta na área de custos para assegurar o acesso ao mercado externo, fornece análises laboratoriais e capacitam os cooperados em áreas específicas, que garantem uma atuação profissional e que atenda a legislação vigente. A Cooperação alemã (GTZ) está financiando um estudo de mercados para a cajucultura e por último a Prefeitura Municipal de Barreira colabora no processo de certificação, viabilizando transporte para as reuniões dos agricultores familiares e assistência técnica. O Ministério de Desenvolvimento Agrário aprovou o projeto “Preparação de grupos da Cajucultura Familiar de Barreira - Ceará para a certificação orgânica, previsto para iniciar em julho de 2009, garantindo acompanhamento técnico e formação durante dois anos.
A Central de Cooperativas Copacaju teve um projeto aprovado pelo Sebrae Nacional para a certificação no comércio justo.
Metodologia (s)
A metodologia se baseia nos princípios da agroecologia e na construção coletiva do conhecimento com o desenvolvimento de uma gestão participativa, que envolve os agricultores com igualdade de gênero e geração. A certificação é trabalhada em grupo, dando a possibilidade para a associação de planejar a produção e a assinatura de contratos com os compradores, garantindo a quantidade, qualidade e regularidade, conseguindo assim melhores preços para os produtores. O modelo de gestão foi construído de forma descentralizada, dando autonomia aos grupos em torno das mini-fábricas, das quais por sua vez poderão surgir associações e cooperativas, como já e o caso de uma delas
A sensibilização, mobilização e organização dos cajucultores de Barreira para a certificação orgânica já está sendo trabalhada pela ACB com assessoria do NIC há mais de dois anos, época em que houve as primeiras reuniões com diversas instituições, inclusive certificadoras, informando sobre o processo, oportunidades e riscos da certificação.
A articulação entre atores e instituições também é um princípio de toda a metodologia de trabalho, buscando uma articulação crescente que vise a realização de ações e resultados conjuntos. Dessa forma o projeto é construído, executado, monitorado e avaliado através de metodologias participativas com a presença de técnicos das instituições parceiras e representantes dos cajucultores, tanto de produtores como de beneficiadores, formando um conselho gestor participativo.
Os cajucultores, que participarão do projeto têm que estar associados à ACB, afirmar seu compromisso de seguir as orientações para a adequação das suas propriedades aos critérios da certificação orgânica, implementar o Sistema de Controle Interno e se comprometer a dar preferência à ACB no fornecimento dos produtos certificados. A meta é certificar 100 propriedades com a participação de 200 agricultores e 100 jovens rurais.
Para orientar a transição agroecologica são realizados cursos para a aplicação de técnicas de cultivo e processamento de caju, por meio de pesquisa de práticas conservacionistas de solo através da adubação orgânica, controle de pragas com a utilizado de defensivos naturais permitidos e processamento de pedúnculos e amêndoas adequadas às normas de certificação.
A sensibilização, conhecimento e apropriação da legislação de produtos orgânicos é trabalhada constantemente tanto em teoria como na prática com o estudo da Lei 10.831/2003 - Lei da agricultura orgânica e o Decreto nº 6323 de dezembro 2007 e a identificação de não conformidades nas propriedades e a adequação aos critérios da certificação, com visitas técnicas às propriedades com o geoprocessamento das áreas e a elaboração de croquis para as adequações necessárias.
São desenvolvidos experimentos em campo, que serão sistematizados pela Embrapa Agroindústria Tropical, que prevê a publicação de rotinas de sistema agroecológico para o caju.
A Construção do Sistema de Controle Interno – SCI é outro passo importante a ser construído junto aos grupos, contribuindo para a profissionalização da gestão e a melhoria da produção. O procedimento da certificação em grupo foi aprovado no Brasil através da Lei 10.831/2003 - Lei da agricultura orgânica e é uma opção para associações ou cooperativas, que barateia os custos. A documentação do SCI oferece a possibilidade da realização de visitas somente pontuais pela auditoria para sua verificação. Foi instalada uma comissão interna para manter e operar o SCI e assegurar o cumprimento de padrões estabelecidos. Dessa forma o SCI estimulará o processo participativo na elaboração de documentos, que devem ser compreendidos por todos.
Resultados
O trabalho da ACB e da Copacaju foi reconhecido em nível nacional e internacional. Desde 2007 participam da Iniciativa Caatinga e Cerrado, apoiada pela Cooperação Alemã (GTZ, DED, Fundação Konrad Adenauer), o Ministério de Desenvolvimento Agrário, o Ministério de Integração Nacional, o Ministério de Meio Ambiente, entre outros. Anualmente é realizada a Sala Caatinga Cerrado na BioFach/ExpoSustentat América Latina, com a exposição de produtos de diversos empreendimentos da agricultura familiar, onde a ACB teve em 2008 contatos comerciais com uma previsão de fechar negócios em torno de 2 Milhões de Reais. Além disso a ACB participou da Feira Nacional da Agricultura Familiar e do Salone Del Gusto do Terramadre em Turim, na Itália. Este ano a ACB foi convidada pela primeira vez a participar da BioBrazilFair em São Paulo e a Copacaju participa pela segunda vez do Salão do Turismo a ser realizado em São Paulo em julho de 2009.
Em 2009 foram certificados os primeiros 40 produtores em Barreira no comércio justo e 18 produtores receberam o certificado orgânico pela IMO Control.