Território Agroecológico Ribeirão do Taquaruçu Grande: APA Serra do Lajeado-TO
O Território Agroecológico Ribeirão do Taquaruçu Grande está situado na Área de Proteção Ambiental Serra do Lajeado, unidade de conservação estadual que abrange 28% da zona rural do município de Palmas. O território em questão está situado no bioma Cerrado, segundo maior bioma do Brasil, com 198 milhões de hectares e um dos mais devastados nos últimos anos, principalmente pela expansão do agronegócio voltada para produção de grãos (soja, milho). Segundo o MapBiomas (2021), de 1985 a 2020 o Cerrado perdeu 19,8% de sua vegetação nativa, o equivalente a cerca de 26,5 milhões de hectares, e na mesma intensidade do desmatamento ocorreu o avanço das atividades agropecuárias sobre 26,2 milhões de hectares do bioma.
Nos últimos 10 anos, o estado do Tocantins sofreu a maior perda em vegetação nativa do Cerrado, o equivalente a 1,11 milhões de hectares (MapBiomas, 2021). Para além de toda a biodiversidade que o bioma abriga, sua singularidade reside no fato de este ser um “berçário das águas”, de onde se originam 8 das 12 bacias hidrográficas do país e onde nascem importantes rios, como Tocantins e Araguaia. Atribui-se ao sistema radicular da vegetação nativa desse bioma o grande feito do armazenamento da água das chuvas e da alimentação dos reservatórios subterrâneos. Portanto, proteger o Cerrado é proteger os recursos hídricos e, nesse sentido, se tem a importância da APASL para a cidade de Palmas, uma vez que 70% do abastecimento de água da capital vem dessa Unidade de Conservação (UC). E é com a finalidade tanto de resguardar esse patrimônio natural, indispensável à vida, quanto de produção e consumo de alimentos saudáveis que as/os moradoras/es do Território Taquaruçu estão se dedicando à transformação desse território em espaço de produção agroecológica.
O território agroecológico é uma iniciativa protagonizada pela Associação Água Doce, que, articulada a mais de 40 organizações e movimentos sociais, vem, desde 2014, encampando ações de incidência para a proteção da APASL. Tendo como principal estratégia de mobilização e organização social a proteção dos recursos hídricos, a Associação defende a agroecologia como estratégia de produção compatível com a finalidade da APASL, capaz de conciliar atividades humanas com a conservação dos recursos naturais. Nesse sentido, a Associação tem incentivado as/os moradoras/es do território Taquaruçu a adotarem práticas agroecológicas como estratégia de manejo sustentável e, assim, vem buscando parcerias para a progressiva conversão de sistemas de produção convencional em sistemas de produção agroecológica.
Além do incentivo à produção agroecológica, a Associação tem realizado diversas ações de educação ambiental e mobilização social envolvendo moradoras/es, escolas, artistas locais e órgãos ambientais, como a Fundação Municipal do Meio Ambiente (FMA) o Naturatins, por meio do Parque Estadual do Lageado (PEL), com a finalidade de sensibilizar moradoras/es, turistas e a população de Palmas sobre os problemas ambientais existentes na APASL e que ameaçam sua conservação. Nesse sentido, a Associação Água Doce, apoiada pela rede Articulação Tocantinense de Agroecologia (ATA), pastorais, instituições de ensino e pesquisa e outros coletivos, vem realizando diversas ações de incidência tanto no campo da mobilização social como na atuação junto aos órgãos de justiça e controle social.
No que se refere às ações de mobilização para fins de visibilização, alerta e apoio da população de Palmas nas ações em prol da APASL, foram realizados 2 eventos em anos consecutivos, 2018 e 2019, denominados “Abraço ao Taquaruçu”. Para o alcance do resultado desejado, as duas edições do evento foram construídas a várias mãos, isto é, foram envolvidas várias organizações e agentes locais, entre as quais escolas, órgão gestor, organizações e movimentos sociais, Igreja, Prefeitura, equipes de ciclistas, grupo de cavaleiros, Governança Turística do Taquaruçu, Batalhão da Polícia Militar Ambiental, os quais foram envolvidos em diferentes atividades, tanto as que antecederam o evento — como a produção de mudas, busca de patrocínio, logística, divulgação nas redes sociais, entrevistas em canais de TV e rádio locais — quanto ações durante o “Abraço”, com ações de panfletagem, feira de artesanato, caminhadas em trilhas ecológicas, momentos culturais das tradições locais, oficinas de educação ambiental, distribuição e transplantio de mudas de vegetação nativa, mutirão de coleta de lixo, além de abaixo assinado em apoio à proteção da UC e adoção de medidas efetivas de fiscalização pelo órgão gestor. As duas edições do Abraço ao Taquaruçu tiveram ampla repercussão no município e agregaram apoio da população para as ações que vêm sendo efetivadas no território, como produção agroecológica e replantio de vegetação nativa, visando à recuperação de nascentes e áreas degradadas, à conservação dos recursos hídricos, entre outras.
As organizações e movimentos sociais também têm incidido junto ao sistema de justiça para que direitos coletivos, como o direito ao meio ambiente seguro, sejam resguardados. Nesse sentido, a articulação de 7 organizações e movimentos sociais, parte dos quais integra a rede ATA, ingressaram, em 2017, com ação civil pública (ACP) contra o proprietário e arrendatário da Fazenda Maanaim, objetivando interromper um ciclo de práticas ambientais criminosas que consiste em desmatamento ilegal, incluindo Áreas de Reserva Legal (ARL) e Áreas de Preservação Permanente (APP), e supressão de espécies protegidas por lei, para fins de plantio de grãos. Neste caso, foi concedida a tutela de urgência de modo a assegurar que o plantio não mais se efetivasse, uma vez que o fazendeiro não cumpriu as sanções penais aplicadas, incluindo pagamento de multa e, principalmente, a recuperação da área desmatada sem autorização do órgão ambiental. Além das ilegalidades mencionadas, o cultivo de grãos com uso indiscriminado de agrotóxicos potencializa os danos ambientais, uma vez que esses poluentes são carreados para nascentes e córregos que abastecem a bacia do ribeirão do Taquaruçu, constituindo-se em uma ameaça à vida, inclusive à vida humana.
A ação movida pelo conjunto das organizações se deu após várias tentativas junto ao Ministério Público Estadual (MPE) para evitar a continuidade dos crimes ambientais na fazenda. Após a denúncia ter sido arquivada pelo MPE, mais de 70 pessoas de organizações realizaram audiência com a promotoria do Meio Ambiente para reiterar a denúncia e cobrar do órgão de justiça uma atuação mais efetiva, obtendo a suspensão do arquivamento da denúncia. Perante a morosidade do MPE, as organizações decidiram judicializar a denúncia ingressando com ACP na 5ª Vara Civil da Comarca de Palmas. Para a formulação da peça jurídica, foram constituídos um grupo técnico e um grupo jurídico, ambos formados por quadros das 7 organizações. O grupo técnico foi responsável por analisar documentos técnicos produzidos pelos órgãos ambientais acerca do Território Taquaruçu, de modo a subsidiar o grupo jurídico. Cabe mencionar que a ACP também teve parecer para arquivamento, o que mobilizou os movimentos sociais, junto com o arcebispo de Palmas, Dom Pedro Brito Guimarães, e com o bispo de Miracema-TO, Dom Philip E. R. Dickmans, a se reunirem com o juiz e expor os fatos relacionados à peça jurídica. O pedido de reconsideração do arquivamento foi protocolado pelas organizações e acatado pelo juiz da Vara de Interesse Difusos e Coletivos, que concedeu a liminar de embargo da fazenda e determinou que fossem lacrados os equipamentos, proibindo qualquer cultivo, e também determinou a apreensão da soja cultivada/estocada.
Cabe destacar que a ação dos movimentos protocolando a ACP perante a Vara Civil provocou reação de contrariedade do titular da promotoria estadual de Meio Ambiente de Palmas, que se manifestou por meio de ligação telefônica para uma das organizações titulares da ação. Esse fato levou representantes de movimentos sociais e da Rede Esclesial Pan-Amazônica (REPAM) a denunciar o caso à Corregedoria Geral do Ministério Público Estadual do Tocantins.
Apesar da ação em favor do coletivo, os conflitos na UC e seu entorno seguem, são diversos e requerem mobilização permanente e ações articuladas pela sociedade civil no sentido de proteger os recursos ambientais, extremamente necessários para a manutenção da qualidade de vida das populações do território e do seu entorno, a exemplo da própria capital do Estado, que a cada ano vem sofrendo com desabastecimento de água, uma vez que seu principal reservatório, a APASL, vem sofrendo com desmatamento, urbanização, ocupação imobiliária desordenada, uso de agrotóxicos em monocultivos, queimadas, entre outras ameaças.
Nesse sentido, incidir sobre a revisão do Plano de Manejo se mostrou uma via oportuna para a sociedade civil organizada propor e reforçar atividades que compatibilizem interesses produtivos, sociais, econômicos e culturais com a proteção ambiental e a efetivação do Território Agroecológico Ribeirão do Taquaruçu Grande.
Outro espaço onde as organizações têm incidido é o Conselho Deliberativo da APASL. Em 2018, o órgão gestor da UC, o Naturatins, contratou uma empresa (Consórcio Com&Sea Ltda./Codex Remote) para elaboração do Plano de Manejo da APA. No entendimento das organizações da sociedade civil, algumas ações contidas no Plano não deixavam clara a adoção de ações de interesses socioambientais ou deixavam margem para interpretações divergentes do objetivo da APASL, sobretudo no que tange a atividades agropecuárias e de mineração no interior da UC. Algumas organizações do Conselho solicitaram revisão do Plano de Manejo no âmbito do Conselho, para a qual foi proposto um Grupo de Trabalho Voluntário (GTV), constituído a partir do Edital Público n. 01/2019. O GTV foi composto por membros da sociedade civil, incluindo a Associação Água Doce e representações da Administração Pública. Esse grupo buscou apontar fragilidades do Plano de Manejo proposto pelo Naturatins e apresentou alternativas e ações mais consistentes no sentido de garantir a proteção da Unidade de Conservação e assim mitigar os impactos socioambientais no seu interior.
Portanto, compreendendo que o Plano de Manejo é o principal instrumento para implementação e gestão de uma UC e aliando esse dispositivo legal às ações que vêm sendo implementadas pelas organizações da sociedade civil na APASL é que se pretende criar o Território Agroecológico Ribeirão do Taquaruçu Grande. Entre as ações propostas no Plano, foi reforçado o apoio à implantação e transição de atividades produtivas para agroecológicas, sendo viabilizadas as condições pelo Poder Público com assessoria técnica. Conforme a Nota Técnica, segue a recomendação proposta para o Plano de Manejo da APASL:
Os membros do presente GT [Grupo de Trabalho] reforçam e reiteram a necessidade de acompanhar, incentivar, apoiar, mediante assistência técnica, bem como, assistência logística (nesse caso, sempre que possível e fazendo o possível, em articulação com outras secretarias) para que os produtores das áreas consolidadas possam cumprir o período de 02 (dois) anos de transição, a contar do pedido de renovação do Licenciamento Ambiental. Esse acompanhamento, incentivo e apoio também deve ser garantido a todos os produtores da APASL em suas mais diversas modalidades de produção sustentável (agricultura sustentável, criação de gado no sistema ILPF [Integração Lavoura-Pecuária-Floresta] bem como na apicultura, piscicultura, olericultura e outros), pois, pelas proximidades do centro urbano, essa área pode e deve se tornar um polo de produção de alimentos saudáveis para fornecer à população local e aos demais 16 moradores de Palmas – TO. Os recursos precisam ser garantidos no Plano Plurianual e enrobustecidos por meio de parcerias entre secretarias, bem como captados por meio de Projetos e Convênios com instituições públicas e/ou privadas. (Nota Técnica “Estudo e propostas ao resumo executivo (Anexo 6 do Produto 8) da Área de Proteção Ambiental Serra do Lageado (APASL)”).
As propostas do GTV foram postas em votação em reunião virtual do Conselho Deliberativo e aprovadas sob forte protesto de segmentos locais, incluindo órgãos de governo, a exemplo do Instituto de Desenvolvimento Rural do Tocantins (Ruraltins) e de setores do agronegócio, como a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), contrários às propostas de exclusão de monocultivos, proibição de cultivos com agrotóxicos e atividades de mineração na UC. Apesar dos embates na reunião, as propostas revisadas pelo GTV foram aprovadas pela plenária do Conselho Deliberativo. Porém, organizações do Conselho descontentes com o resultado apresentaram em 2021 uma Carta de Recomendações contrária a algumas propostas aprovadas no Plano, com ameaça de ingressar com ação judicial para inviabilizar as propostas da Nota Técnica aprovada para o Plano de Manejo da APASL.
De todo modo, a sociedade civil segue mobilizada e com proposições críticas a modelos de produção que inviabilizem a vida. Portanto, a ação civil pública ambiental com pedido de tutela de urgência e as proposições da sociedade civil ao Plano de Manejo da APSL são ações de incidência da sociedade civil para a construção de uma sociedade mais igualitária e justa e para que a vida esteja sempre acima do lucro.
Um forte aliado para o fortalecimento da agroecologia no Território Taquaruçu é a Escola de Tempo Integral (ETI) Professor Fidêncio Bogo. Inaugurada em 2019, a escola foi demandada pela comunidade por intermédio da Associação Água Doce, que participou de sua concepção e da construção do seu Plano Pedagógico, assegurando a agroecologia como proposta pedagógica. Desse modo, as/os professoras/es as/os alunas/os, mães e pais e as/os moradoras/es do território Taquaruçu participam da construção e difusão do conhecimento agroecológico visando à consolidação do território agroecológico enquanto referência para as práticas agroecológicas para o Taquaruçu.
Embora não exista enquanto normativo jurídico instituído por lei, decreto ou outro dispositivo legal, o território vem se consolidando como espaço agroecológico pelo reconhecimento dos sujeitos que moram e praticam a agroecologia na região do ribeirão do Taquaruçu, bem como pela população da capital, incluindo consumidoras/es de alimentos saudáveis, frequentadoras/es da APASL em busca de atividades de lazer (ecoturismo) e práticas esportivas, e organizações e movimentos sociais que reconhecem a importância ambiental desse território para a capital e entorno.
Saiba mais
MapBiomas. https://plataforma.brasil.mapbiomas.org/ (Acesso em 2021)
NOTA TÉCNICA. Estudo e propostas ao resumo executivo (Anexo 6 do Produto 8) da Área de Proteção Ambiental Serra do Lageado (APASL). Palmas, 2021. Disponível em https://central3.to.gov.br/arquivo/559137.