Sementes Crioulas na Comunidade Tapinoã

A experiência de multiplicação e conservação de sementes crioulas se passa na região litorânea do Estado do Rio de Janeiro, município de Araruama, comunidade de Tapinoã, microbacia do Rio Bacaxá. O que motivou a sistematização deste conhecimento foi, sobretudo a possibilidade de interagir à sabedoria e às habilidades de agricultores e agricultoras, de modo a provocar reflexões que venham fortalecer o aprendizado gerado. Partindo de uma tradição consagrada em outros Estados, temos a possibilidade de vivenciar uma sinergia que vai nos aproximar da vida de agricultores e agricultoras, experimentando sua realidade e capacidades. Oportunamente, a perspectiva da agroecologia, incita educadores e extensionistas a viver experiências desta natureza, e apreender lições geradas a partir do conhecimento das famílias rurais. A tradição de plantar o milho e guardar as sementes crioulas resiste a gerações, é sem dúvida uma potencialidade endógena a ser trabalhada pelo ensino, pela pesquisa e pela extensão: “... desde que a gente nasceu planta esse milho, essas sementes são do tempo dos velhos, nunca deixamos acaba...” Relato da família de agricultores Manoel Martins ( 74 anos) e Virgínia Clemente Martins (79 anos). A comunidade de Tapinoã caracteriza-se pela presença significativa da mulher na chefia dos domicílios. O grupo possui elos familiares fortes, herança da Fazenda Prodígio, onde seus antepassados trabalhavam como escravos, e os descendentes pagavam renda (dias de capina) para permanecer nas terras e produzir para subsistência. Temos o predomínio de estabelecimentos com áreas entre 1(um) e 2(dois) hectares, com significativa cobertura vegetal. A produção que predomina entre os agricultores e agricultoras é o aipim, o feijão, o milho, o amendoim, o quiabo, o maxixe, o urucum, a laranja, as hortaliças em geral, e os produtos derivados da mandioca, sendo comum à existência de pequenas unidades de processamento da cultura. A produção animal que garante a subsistência das unidades familiares é a criação de galinhas e a engorda de porcos. O milho cultivado por cerca de 20 (vinte) famílias serve principalmente às criações, base da dieta das famílias. O milho também é uma fonte de renda segura quando comercializado nas feiras e mercado local. Ele se destaca como um produto da identidade de Tapinoã: “... o milho hiba não serve pra gente, o hiba é um milho fraco, não alimenta as galinhas e nem engorda os porcos, o milho hiba deixa os ovos com a gema branca, sem gosto... o hiba é um milho grande e sem nutrientes.”(Relato da família de Dona Genoveva Menezes de Souza.) Na perspectiva da sustentabilidade dos agroecossistemas, é estratégico estimular as experiências que tratam do resgate, multiplicação e conservação de sementes tradicionais. A iniciativa das famílias de agricultores e agricultoras em preservar as sementes do local, da tradição; bem como, as práticas adotadas e assimiladas no processo, demonstram ao conhecimento da ciência, sua importância na reconstrução de modelos de desenvolvimento, que guardam na biodiversidade a oportunidade de enfrentamento de suas dificuldades. A experiência vivenciada em Tapinoã, embora ocorra sobre pressão e influência dos pacotes tecnológicos incentivados principalmente por projetos governamentais, ressalta o papel fundamental desempenhado pelas famílias na preservação das sementes crioulas de milho roxo e amarelo. As potencialidades que emergem da comunidade rural, reforçam entre extensionistas a necessidade de reflexão e reconstrução de saberes, de modo que sejam considerados neste contexto, os aspectos sociais, políticos, culturais, ambientais e também os econômicos, caracterizados principalmente pela experimentação de agricultores e agricultoras. O processo de experimentação induz à liberdade, principalmente quanto ao acesso às sementes negociadas nas casas comerciais. A experiência que se passa em Tapinoã, propõe ensinamentos socialmente apropriados que lhes proporcionam um sentimento de auto estima, bem como especial nível de organização. O processo alimenta um sistema de rede, de troca não somente de sementes, mas, sobretudo de solidariedade. Talvez não estejam tão conscientes quanto o significado e formato desta rede que possibilita a troca de sementes e manutenção da tradição, nem mesmo do poder que emana destas relações entre vizinhos e comunidade, bem como do significado desta prática para a agroecologia e o desenvolvimento rural sustentável. O conhecimento construído, apropriado no decorrer do processo histórico, pelas famílias, principalmente às mulheres que desempenham papel primordial como mantenedoras e fomentadoras da tradição. São as mulheres as “guardiãs” do conhecimento. Fica evidente o quanto necessitamos fomentar uma ciência que possa considerar estas práticas e valorar os conhecimentos da cultura camponesa e das mulheres agricultoras em particular. O modo como as sementes são preservadas, com reverência a simplicidade do manejo de pequenos bancos familiares, elucida as faces da resistência das famílias rurais no enfrentamento dos seus limites e riscos, impostos à manutenção da cultura rural, camponesa. O modo como estas famílias fazem a gestão do conhecimento e aprimoram em suas tecnologias, pode trazer aos técnicos, respostas que há muito vimos procurando. As ações e atitudes das mulheres agricultoras de Tapinoã, na educação dos filhos, na conservação da biodiversidade, na promoção da solidariedade entre famílias, nas invenções e reinvenções que permitem o enfrentamento do conhecimento alheio, e principalmente como guardiãs dos valores da cultura rural; servem de lição e principalmente como indicadores de avaliação das práticas de investigação, extensão e pesquisa. Somente a vida rural, percebida em sua totalidade, pode dar respostas à educação, a extensão e a pesquisa. A partir da análise e compreensão do significado de experiências desta natureza, dialogamos em dimensões imaginárias, sonhamos e provocamos sonhos. Necessitamos inovar no modo como fazemos nossas observações, com mais humildade em nossas pretensões, assim podemos iluminar não só as fragilidades que perpassam o contexto da agricultura familiar, mas, sobretudo potencializar o conhecimento apropriado, construído pelas mãos de mulheres e homens cheios de sabedoria.

Anexos

Anexo 1