Rede de agroecologia do território serra catarinense
O Território Serra Catarinense corresponde à área abrangida pela Associação de Municípios da Região Serrana de Santa Catarina (Amures) e teve, historicamente, um modelo de desenvolvimento fundado na concentração de terras, na exploração desenfreada da floresta de araucária, ocorrida nos anos 1960 e 1970, e na atual opção de ampliação da monocultura do pinus.
Nesse território, a agricultura familiar é amplamente majoritária, sendo 4.792 unidades familiares de produção (82 %), muitas delas (28,7%) com menos que 10 ha.
Nesse território, o desenvolvimento da agroecologia se deu juntamente com as origens do Centro Vianei de Educação Popular, na década de 1980, com a Rede PTA Nacional e a Rede de Tecnologias Alternativas do Sul (TA Sul). Seu desenvolvimento contou com a colaboração da Diocese de Lages e dos movimentos sociais emergentes da região, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento Sindical, Movimento de Mulheres Agricultoras e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), avançando no manejo da agrobiodiversidade, em especial a temática de produção de sementes; educação popular; estímulo à formação e capacitação de atores sociais, em especial o movimento sindical combativo; manejo ecológico de solos; criação de cooperativas de crédito rural com interação solidária; e criação de Casas Familiares Rurais. Esse processo foi amadurecendo ao longo do tempo até culminar com a estruturação da Rede de Agroecologia do Território Serra Catarinense, que representa o Núcleo Planalto Serrano da Rede Ecovida de Agroecologia.
Composto por grupos, associações, cooperativas, sindicatos de trabalhadores rurais, assentados da reforma agrária, casas familiares rurais e atingidos por barragens de 18 municípios, as grandes conquistas desta articulação de instituições vêm sendo a agroindustrialização artesanal e a comercialização de produtos agroecológicos. Muitos foram os projetos desenvolvidos pelas instituições e grupos pertencentes ao Território, com apoio de Instituições internacionais e governamentais brasileiras (Misereor, da Alemanha, secretarias da Agricultura Familiar e de Desenvolvimento Territorial, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Meio Ambiente por meio do Subprograma Projetos Demonstrativos, e Fundo Nacional do Meio Ambiente).
Com estes projetos, estão em processo de implantação ou já implantadas dez agroindústrias nas áreas de beneficiamento de cebola, em Bom Retiro; beneficiamento de grãos, em São José do Cerrito e Anita Garibaldi; processamento de óleo vegetal, pinhão, hortaliças, sucos e geleias, em Otacílio Costa; processamento de frutas, sucos, hortaliças e pinhão, em Urubici; panificação e massas, doces, geleias, sucos e pinhão, em São Joaquim; panificação Sabor da Roça, em Urubici; artesanato, em São Joaquim e Cerro Negro; e processados, conservas e sucos, em Alfredo Wagner. Essas unidades são fundamentais para processar os produtos agroecológicos que não têm boa aparência para a comercialização in natura, agregando valor à produção.
Porém a grande conquista, resultado de todos estes 26 anos de trabalho, está na estruturação de diferentes tipos de canais de comercialização. Inicialmente as organizações dos(as) agricultores(as) agroecológicos(as) realizavam uma feira em Lages e, devido ao aumento da produção, foram estruturadas mais feiras semanais em outros sete municípios.
Outro circuito curto de comercialização que vem sendo valorizado pela rede são as entregas em domicílio. Adotada por diversos grupos, essa estratégia está intimamente ligada às feiras livres. Há também a iniciativa de grupos que recebem consumidores nas suas propriedades para a comercialização direta. Além disso, é praticado o escambo, ou seja, a troca de produtos entre os membros do mesmo grupo ou associação, bem como entre grupos e associações de dentro ou de fora do núcleo da Serra Catarinense.
O acesso aos mercados institucionais fomentado pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome tem sido outra alternativa bastante praticada pelos grupos da rede. Em função do volume e da diversidade de produtos comercializados, esse sistema tem sido determinante na indução de processos de transição agroecológica conduzidos por centenas de famílias.
O Mercado Institucional da Alimentação Escolar também tem sido um caminho trilhado para escoar a produção. Muitas tratativas foram realizadas com o governo do estado de Santa Catarina para que esse mercado fosse acessado, mas somente em 2008 foi feita a licitação que tornou possível a comercialização para a Gerência Regional de Educação (Gered) de São Joaquim, atendendo 6 municípios.
Além de importantes opções econômicas para as famílias ecologistas, esses mecanismos de acesso a mercados condizem com a opção política da rede de construir estratégias de comercialização baseadas nos princípios da economia solidária com vistas a superar o estado de insegurança alimentar e nutricional vivenciado pelo estrato mais empobrecido da população do território. Todo esse contexto explicita ainda como a integração entre o mundo rural e o urbano pode contribuir para o desenvolvimento da Agroecologia.
Um dos principais desafios para a ampliação e a consolidação das proposições da rede está no fortalecimento e expansão do enfoque agroecológico nas ações de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater). Para que a opção pela agricultura familiar de base ecológica seja priorizada pela Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), torna-se necessário fortalecer as ações dos segmentos da sociedade que historicamente atuam na construção desse novo paradigma. Além disso, a regulamentação da legislação encerra outros desafios, principalmente porque se constituiu num campo de conflitos entre a sociedade civil e as organizações estatais, que até o momento, não fizeram uma opção clara pela Agroecologia.
Outro desafio é a ampliação das atuais políticas públicas de acesso aos mercados. Outros mercados institucionais devem ser valorizados, tais como os hospitais, as forças armadas e outros programas públicos. Uma gigantesca conquista seria articular o campo e a cidade por meio da inserção da produção familiar no programa Bolsa Família. Imaginemos a agricultura familiar de base ecológica abastecendo 50% dos beneficiários do Bolsa Família? Qual seria o impacto? Seria possível? Com qual logística?
Finalmente, outro obstáculo a ser enfrentado refere-se à efetivação do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA) nos territórios, uma vez que, historicamente, o serviço de inspeção sanitária tem representado uma forte barreira à adequação das agroindústrias de base familiar, restringindo o aumento das unidades familiares e coletivas de beneficiamento de alimentos agroecológicos.