Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE) em Marechal Thaumaturgo (AC)


Em 2018, a Prefeitura se organiza para alcançar a meta de 60% da compra da agricultura familiar. Entretanto, houve pouca adesão das/dos produtoras/es ao edital de compra. Segundo a Assessoria Especial da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo, as/os produtoras/es alegavam a demora no pagamento pela compra como motivo para se sentirem desestimuladas/os a participarem do processo. Nessa retomada do programa, participaram 30 produtoras/es e a compra não alcançou o mínimo de 30%.
Em 2019, um novo edital é lançado, no qual participaram aproximadamente 70 produtoras/es — um aumento de mais de 100% na participação. Porém, a pandemia da Covid-19 impactou de forma negativa nessa intenção.
No ano seguinte, 2020, outro edital é anunciado, atraindo um número maior de produtoras/es. Mas, por conta da pandemia, a compra foi bastante reduzida, utilizando entre 6 e 10% do recurso disponível.
No início do segundo semestre de 2021, a Prefeitura lançou um edital para a compra de alimentos, tendo como fonte de recursos o Fundo Nacional do Desenvolvimento Escolar (FNDE/PNAE) e recursos próprios, para atender 6 escolas da zona urbana e 35 escolas da zona rural. Participam da entrega 55 produtoras/es e três entregas foram realizadas até setembro de 2021. A meta é investir R$ 300.000,00 na compra da produção da agricultura familiar.

2. Antecedentes da experiência

2.1 Faça um resumo dos antecedentes da iniciativa.

O município de Marechal Thaumaturgo-AC está situado na fronteira com o Peru, no oeste do estado do Acre, no Vale do Juruá. É um município jovem, criado em 1992, e considerado um dos 4 municípios isolados do estado. Seu acesso se dá apenas por pequenos aviões ou via fluvial, podendo levar até 3 dias de navegação, a partir do município polo de Cruzeiro do Sul-AC, dependendo do tipo de embarcação e do nível das águas.

Marechal Thaumaturgo é detentor de um mosaico de áreas protegidas, compostas de 3 Terras Indígenas (TI) e 4 Unidades de Conservação (UC) federais (Reservas Extrativistas), representando 90% de seu território. Como vários municípios do interior da Amazônia, sua economia está principalmente centrada nos repasses do Governo Federal, por meio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), bem como de convênios, programas públicos e de uma pequena economia local alimentada por comércios de pequeno porte e da produção da agricultura familiar.

A experiência do município com o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE) possui um histórico longo, iniciado ainda no final da década de 1990, no contexto do programa de formação de professoras/es indígenas, programa este implementado pela Comissão Pró-Índio do Acre (CPI Acre), organização não governamental acreana. Participava deste programa o indígena Isaac da Silva Piyãnko, da etnia Ashaninka, da Terra Indígena Kampa do Rio Amônea, uma das TI situadas do município de Marechal Thaumaturgo.

As/Os Ashaninka desempenham papel bastante ativo na defesa de sua cultura, território e sistemas tradicionais de produção sem, entretanto, deixar de olhar as populações tradicionais do entorno de seu território, formadas por extrativistas, ribeirinhas/os e agricultoras/es familiares. Trabalham sempre com o intuito de envolvê-las/los em seu processo de busca e implementação de ações para a melhoria da qualidade de vida, participando de várias iniciativas próprias e de iniciativas de outras organizações da sociedade civil e dos governos locais (Estado e Município) e federal.

Entre os desafios a serem superados estava, desde então, a garantia da segurança alimentar e nutricional de seu povo e parentes (indígenas de outras etnias) e das comunidades vizinhas, tanto através do fortalecimento de seus próprios e diversificados sistemas produtivos como também da melhoria da alimentação fornecida nas escolas do município. Esta questão era refletida não só durante o programa de formação, mas também em outros programas implementados pela CPI Acre, de formação de agentes agroflorestais indígenas e de agentes de saúde, permitindo uma visão holística na melhoria das condições de vida nas TIs. Nesses programas, não só as questões técnicas são discutidas, mas também se fazem reflexões necessárias a uma leitura crítica do contexto e à compreensão da própria necessidade de políticas públicas voltadas para a realidade do território.

É a partir desse contexto que se inicia a caminhada para sensibilização do Poder Executivo municipal a adotar a compra da produção local para ser fornecida nas escolas das aldeias e demais comunidades rurais de Marechal Thaumaturgo. Pode-se dizer que foi a partir da mobilização indígena, por meio de suas lideranças, que a Prefeitura passou a gradativamente incluir o alimento produzido localmente nas escolas, proporcionando o fortalecimento da cultura alimentar local e o incremento da economia local.

No início, foram encontradas resistências dos gestores do município, em função da cultura pública construída nos anos anteriores. Sabia-se da dificuldade, mas havia uma forte crença de que ela poderia ser modificada e somada ao conceito de desenvolvimento deste e dos demais grupos indígenas do Acre de forma adequada à realidade amazônica.

No ano de 1998, durante a gestão do prefeito Leandro Tavares de Almeida, a primeira conquista foi alcançada quando ele se convenceu da importância da proposta e realizou o primeiro processo licitatório para garantir que a produção local atendesse a todas as TIs do município. Essa articulação sempre teve as/os Ashaninka como o principal articulador da sociedade civil.

Após ter trabalhado como professor indígena e ter coordenado a Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC), período no qual sempre trabalhou as articulações com as organizações da sociedade civil local e com a Prefeitura, necessárias para o fortalecimento da aquisição da produção local pela Prefeitura, Piyãnko se lança candidato à Prefeitura, sendo eleito no pleito de 2016. Durante sua gestão, o programa ganha em intensidade e abrangência, aumentando o número de comunidades envolvidas na aquisição, a partir de um trabalho articulado de apoio da Prefeitura às comunidades. Durante sua gestão, a compra da agricultura familiar alcançou significativos 48% do orçamento destinado ao programa, incluindo o aporte financeiro dado com recursos oriundos do FPM.


Saiba mais:

MARECHAL THAUMATURGO. Secretaria de Meio Ambiente e Turismo. Thaumaturgo: município da floresta. Oficina de recomendações ao planejamento da Secretaria de Meio Ambiente e Turismo de Marechal Thaumaturgo, 9 jul. 2005. Disponível em: https://cpiacre.org.br/wp-content/uploads/2020/09/Secret%C3%A1ria-de-meio-ambiente-de-Mal.Thaumaturgo-Relat%C3%B3rio.pdf.  

3. Participação social e política na experiência

3.3 Como se deu a participação das diferentes organizações da sociedade civil (grupos, coletivos, movimentos sociais e outros) na iniciativa?

Pode-se dizer que foi a partir da mobilização indígena, por meio de suas lideranças, que a Prefeitura passou a gradativamente incluir o alimento produzido localmente nas escolas, proporcionando o fortalecimento da cultura alimentar local e o incremento da economia local.

3.6 Dentre as pessoas que protagonizaram essa iniciativa, marque o gênero com maior participação:Não é possível aferir

3.7 Dentre as pessoas que protagonizaram essa iniciativa, assinale o grupo racial com maior participação:Não é possível aferir

3.8 Dentre as pessoas protagonistas, marque o grupo de faixa etária com maior participação:Não é possível aferir

3.10 Como pode ser qualificado o processo de participação da sociedade civil na iniciativa?Restrita/limitada (participação meramente formal em algumas etapas do processo)

3.13 Quais os resultados, aprendizados e desafios da iniciativa?

Desafios encontrados


Em sua linha histórica, o programa encontrou momentos de desestímulos causados por diferentes fatores, dentre os quais serão descritos os principais.

A importância dada ao programa se deve muito à/ao gestora/or municipal do momento. Apesar das vantagens reais para o município (descentralização da renda, estímulo à produção local, alimento fresco, circuito curto de comercialização, entre outros), para que o programa supere a obrigatoriedade legal, ampliando seus objetivos e cobertura, não são todas/os as/os gestoras/es que abraçam a proposta e comungam de suas vantagens.

No caso específico de Marechal Thaumaturgo, pesa favoravelmente o histórico pessoal do prefeito reeleito. Credita-se, em muito, a persistência e os resultados crescentes do programa à sua história de vida, à sua origem rural e aos valores culturais, sociais, econômicos e ambientais de seu povo indígena. Sendo assim, fazer com que este programa seja um programa de “estado municipal” é um grande desafio para que não haja descontinuidade e para que haja o aperfeiçoamento de sua implementação, na medida em que novas/os gestoras/es chegarão após sucessivos pleitos eleitorais.

Outro fator relevante a se destacar é a dificuldade de administrar o programa através de uma relação institucional entre Prefeitura e organizações de produtoras/es, indígenas e não indígenas, como associações e cooperativas. O principal motivo é que elas não estão com as questões legais (atas atualizadas, certidões negativas, entre outros) em dia.

Até o momento, os editais estabelecem a compra diretamente da/o produtora/or, e não através de suas organizações comunitárias. Esse formato enfrenta outro desafio: o baixo número de produtoras/es no município que possuem a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP).

A prestação de serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) no município é deficitária, tanto a oferecida pelo Governo do Estado quanto a do município. Há baixa disponibilidade de recursos humanos e financeiros para ATER, principalmente na Prefeitura. Com isso, poucas/os produtoras/es possuem a DAP, principalmente no início do programa, limitando a expansão do programa e o alcance de maior número de produtoras/es. Pouco a pouco essa situação vai sendo contornada, mas ainda está distante de alcançar a universalidade.

Uma última dificuldade a relatar é a emissão de notas fiscais pelas/os produtoras/es. Em geral, as notas fiscais são emitidas no município de Cruzeiro do Sul, bastante distante e sem estrada de acesso. No período seco, são necessárias cerca de 16 horas de viagem de barco. No inverno, um pouco menos. A passagem custa R$ 160,00, por trecho.

É possível fazer a mesma viagem utilizando voos comerciais, com aviões de pequeno porte, a um custo de R$ 350,00 por trecho. Além do custo das passagens, é necessário acrescentar o tempo e outros custos, como alimentação, transporte na cidade, entre outros. Para uma/um pequena/o produtora/or, é um custo considerável e isso faz com que a adesão ao programa não seja tão fácil.

A partir de junho de 2021, foi iniciada a emissão de certificado digital, mas poucas/os a possuem. O processo predominante continua sendo físico, criando uma grande dependência da Secretaria Estadual da Fazenda (SEFAZ).

Os desafios descritos acima são importantes de serem enfrentados, mas talvez o mais importante seja o da participação da sociedade civil organizada no monitoramento e execução do programa.


Resultados


Pelos itens licitados, é possível verificar a representatividade da diversidade de produtos locais, que garantem a regionalização da alimentação escolar. As/Os alunas/os consumiram durante o ano: arroz regional, açaí, abacaxi, banana pequena, banana grande, batata doce, coco seco, colorau regional, feijão peruano amarelo, frango caipira, farinha de mandioca, goma de mandioca, inhame, jerimum, maxixe, mamão, macaxeira, melancia, ovos de galinha caipira, pé de moleque, pimenta de cheiro, polpa de fruta congelada e hortaliças variadas. O cardápio montado tem o acompanhamento de uma nutricionista, que busca garantir uma dieta equilibrada. 

O programa trouxe também efeitos positivos indiretos para as/os thaumaturguenses. Na feira municipal, os produtos ofertados se limitavam basicamente às hortaliças mais comuns — como coentro, cebolinha, couve e pimenta de cheiro. Com o estímulo do programa, é possível encontrar, além das hortaliças citadas, alface, pepino, batata doce, entre outras.

Outro resultado a ressaltar é quanto à felicidade das/dos produtoras/es em saber que, na escola, suas/seus filhos e outra/os estudantes de sua comunidade estão se alimentando do fruto do seu trabalho. A renda gerada, que permite utilizá-la com a própria família, é outro resultado relatado pelas/os produtoras/es, segundo o técnico agrícola da Secretaria de Meio Ambiente Marcos Santos de Souza.

Com a adesão crescente de novas/os produtoras/es. Mesmo com as dificuldades relatadas, a Prefeitura está se programando para realizar as compras através de cooperativas e das associações. Para isso, está apoiando as/os produtoras/es na regularização de suas entidades.

4. Institucionalidade do processo

4.1 Quais esferas públicas estiveram associadas?Executivo

4.2 A experiência se deu de forma suprapartidária? Não se aplica

4.3 A experiência se deu de forma intersecretarial/intersetorial? Sim

4.4 Houve envolvimento de conselhos municipais?Sim

4.5 A experiência resultou em alguma institucionalização?Não foi institucionalizada

4.6 A experiência está relacionada a outras políticas públicas municipais?Não

4.7 A experiência está relacionada a alguma política pública estadual?Não

4.8 A experiência está relacionada a alguma política pública federal?Sim

Quais políticas federais?Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)

Quais conselhos municipais foram envolvidos? Conselho de Alimentação Escolar (CAE)