PISCICULTURA COM ENFOQUE AGROECOLÓGICO EM GASPAR (SC)
PISCICULTURA COM ENFOQUE AGROECOLÓGICO EM GASPAR (SC)
1. INTRODUÇÃO
O Brasil se insere no contexto internacional como um dos países com maior potencial para o desenvolvimento da piscicultura. Além do seu extenso território, as suas condições climáticas e hidrológicas favorecem a atividade. O país tem todas as condições de se transformar em um grande produtor de pescado para atender à crescente demanda nacional e mundial.
Com políticas públicas adequadas, com a regularização das áreas de cultivo e com o emprego de ferramentas agroecológicas, o país terá condições de desenvolver ainda mais, e de forma sustentável, seu imenso potencial em aquicultura. Espera-se que a produção nacional, que hoje é de aproximadamente 707.461 toneladas ao ano, alcance uma produção de mais de 2 milhões de toneladas nos próximos anos. Nos últimos dez anos, a aquicultura brasileira cresceu a uma taxa média de 10% ao ano, contra um crescimento mundial de 6% ao ano no mesmo período (MPA, 2013; FAO 2012).
As principais espécies de peixes cultivadas no Brasil são: a tilápia (39%) com mais de 155.000 toneladas; os peixes redondos, tambaqui, pacu, e outros híbridos somam mais de 102.000 toneladas (26%); e carpas, 60.000 toneladas.
No Estado de Santa Catarina, a produção aquícola (piscicultura de água doce e maricultura) teve um importante desenvolvimento nos últimos dez anos. A produção em água doce saiu das 1,5 mil toneladas em 1990 para mais de 17 mil toneladas em 2000, chegando a 28.861 toneladas em 2011. Estima-se a existência de cerca de 24.000 piscicultores, dos quais 5.000 produzem peixes comercialmente, e uma área alagada em torno de 12.600 ha. Grande parte desses produtores participam de associações, que já somam mais de 60 no estado (EPAGRI, 2013).
A piscicultura geralmente é uma atividade complementar da propriedade. A atividade é desenvolvida em todo o estado de Santa Catarina, mas as regiões mais importantes em termos de produção e números de criadores são o Vale do Itajaí, região onde está localizado o município de Gaspar, Litoral Norte, Oeste e a região de Tubarão. São aproximadamente 20 espécies sendo criadas em cativeiro. As principais espécies em produção no Estado são: Tilápia (66,51%), Carpas (25,11%), Truta (2,08%), Jundiá (2,69%), Bagres (1,35%) e outros (2,26%) (EPAGRI, 2013).
Existe um grande número de produtores que aliam a produção de peixes aos empreendimentos turísticos, como por exemplo, os pesque pagues. Essa modalidade absorve 50% do peixe produzido no estado. Outro mercado que vem crescendo é a indústria de beneficiamento de peixe, abrangendo 15% do mercado. O restante da produção é comercializada no chamado mercado local (propriedades, peixarias, supermercado, entre outros) (EPAGRI, 2013).
Em Gaspar, a piscicultura tem se destacado desde 1989, com a criação de feiras do peixe vivo, pesque pagues e programas de capacitação profissional dos aquicultores desenvolvidos com o apoio da Prefeitura Municipal de Gaspar e a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina – EPAGRI. A atividade tem se mostrado promissora para o município.
O município de Gaspar (SC) tem um grande potencial para o desenvolvimento da aquicultura em tanques escavados, devido a sua condição climática e proximidade com os centros consumidores. Possui uma reserva de água abundante em todo o município e o relevo também favorece o cultivo de peixe de água doce. Atualmente, a produção do município passa das 400 toneladas anuais, contando somente com aqueles produtores profissionais. Os piscicultores contam ainda com um mercado bastante promissor, vendendo seu peixe para pesque pagues ou agroindústrias. Os pesque pagues atingem um público de mais de 30.000 pessoas ao ano.
O cultivo em tanques escavados de forma agroecológica envolve técnicas simples e custo relativamente acessível aos pequenos produtores. Entretanto, as informações técnicas e econômicas relativas a esses cultivos, ainda não estão amplamente difundidas no meio rural, necessitando de intervenção do poder público através do apoio técnico e financeiro. A falta de equipamentos e recursos financeiros para a realização de cursos, viagens técnicas, eventos, feiras do peixe e assistência técnica tem dificultado o desenvolvimento da piscicultura gasparense, o que motivou a aproximação do IFSC (Instituto Federal de Santa Catarina) e da Prefeitura Municipal de Gaspar (PMG) para buscar estratégias conjuntas que contribuíssem para o fortalecimento da atividade no município, da agricultura familiar e da agroecologia. Essa demanda encontrou apoio com a aprovação do projeto 'Desenvolvimento da Piscicultura de Gaspar (SC)', aprovado pela Chamada 81/2013, executado em 2014 e 2015
O projeto teve como objetivo apoiar o desenvolvimento da piscicultura municipal, através da implementação do Núcleo de Pesquisa Aplicada à Pesca e Aquicultura com enfoque agroecológico (NUPA), integrando atividades de pesquisa, extensão, buscando o aumento de produção e produtividade contribuindo à sustentabilidade socioeconômica e ambiental.
Com o término do projeto inúmeros resultados foram atingidos, não só os resultados previstos pelo projeto, mas outros não previstos, algumas reflexões, obstáculos, enfim, um conjunto de fatores que nos estimularam a sistematizar a experiência vivida com intuito de que os novos conhecimentos e aprendizados gerados não se percam. E, mais que isso, que sejam levados em consideração em outras iniciativas e também compartilhados por diversos atores interessados em conhecer e aprender. “A sistematização é um importante instrumento que permite olhar analítica e criticamente para o vivido e experimentado” (CHAVEZ-TAFUR, 2007, p. 7).
2. METODOLOGIA
Grande parte das informações que subsidiaram a presente sistematização se baseou nos parâmetros construídos pela equipe técnica, mas também nas constantes reuniões e avaliações com os envolvidos e, em especial na contribuição de dois agricultores que participaram das atividades desenvolvidas pelo projeto.
3. DESENVOLVIMENTO
Para sistematizar os resultados foram utilizados quatro parâmetros e diversos indicadores considerados relevantes, metodologia inspirada em CHAVEZ-TAFUR (2007). Para cada um dos indicadores aspectos positivos e negativos foram identificados.
Parâmetros e indicadores utilizados para sistematização.
PARÂMETRO AMBIENTAL
INDICADOR: Adoção de técnicas agroecológicas por parte dos agricultores.
ASPECTOS POSITIVOS
- Adoção de técnicas agroecológicas por alguns agricultores.
- Participação nas capacitações ofertadas.
- Participação nos eventos realizados.
ASPECTOS NEGATIVOS
- Resistência cultural com relação ao sistema agroecológico.
- Dificuldades técnicas e de mercado a serem vencidas, como por exemplo: obter informações de resultados reais de experiências anteriores
INDICADOR: Melhoria na qualidade ambiental por intermédio do licenciamento ambiental da atividade de piscicultura.
ASPECTOS POSITIVOS
- Uso sustentável dos recursos hídricos.
- Conservação das áreas naturais.
- Novo projeto de extensão rural foi desenvolvido de piscicultura orgânica, em parceria com uma empresa demandante para certificação do peixe orgânico.
ASPECTOS NEGATIVOS
- Resistência com relação regularização ambiental.
- Custos considerados altos pelos produtores para obter a licença.
PARÂMETRO POLÍTICO
INDICADOR
Envolvimento do poder público e da sociedade civil organizada.
ASPECTOS POSITIVOS
- Participação de profissionais de órgãos públicos nas atividades do projeto.
- Atendimento das demandas da associação de piscicultores pelo projeto.
- Inclusão do peixe na merenda escolar.
- Parceria com instituições de ensino e pesquisa do estado de SC.
- Fortalecimento do associativismo.
- Produtores tiveram acesso ao crédito rural.
- Produtores tiveram acesso à patrulha mecanizada do município com preços mais acessíveis de horas máquinas.
- A partir da legalização ambiental os beneficiários da agricultura familiar podem acessar benefícios de leis municipais que isentam taxas de licenças e dão outras providências.
ASPECTOS NEGATIVOS
- Morosidade nos assuntos ligados ao setor público.
INDICADOR
Criação de política pública de incentivo à prática agroecológica
ASPECTOS POSITIVOS
- Inclusão do peixe da água doce na merenda escolar municipal por meio das creches e escolas.
- A partir de 2014 o IFSC – Câmpus Gaspar passou a integrar o grupo gestor e promover as ações de fortalecimento da Piscicultura Gasparense junto com os demais integrantes.
PARÂMETRO PARTICIPATIVO
INDICADOR
Participação dos Agricultores
ASPECTOS POSITIVOS
- Associados da Aquipar (Associação dos Aquicultores do Município de Gaspar1) participando dos cursos e demais atividades.
INDICADOR
Participação dos Parceiros
ASPECTOS POSITIVOS
- Parcerias firmadas para realização das atividades.
- Comprometimento por parte da Prefeitura de Gaspar, EPAGRI, Banco do Brasil, UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), IFC (Instituto Federal Catarinense), demais câmpus do IFSC e Aquipar na execução do projeto.
ASPECTOS NEGATIVOS
- A não existência de cursos na área de piscicultura no câmpus Gaspar dificulta a qualificação das atividades de pesquisa e extensão.
INDICADOR
Participação da Equipe
ASPECTOS POSITIVOS
- Equipe com técnicos capacitados.
ASPECTOS NEGATIVOS
- Dificuldade de atrair bolsistas pelo baixo valor das bolsas do CNPq.
PARÂMETRO ECONÔMICO
INDICADOR
Melhoria de renda dos produtores.
ASPECTOS POSITIVOS
- Crescimento da atividade da piscicultura na região.
- Alcance do projeto para além da região de Gaspar, para os municípios de Ilhota, Indaial, Rio dos Cedros, Benedito Novo, Blumenau, Joinville, Timbó.
- A piscicultura com enfoque agroecológico foi vista por alguns produtores com muito interesse por conta principalmente da redução dos custos com a ração e da demanda pelos consumidores.
ASPECTOS NEGATIVOS
- Barreiras de mercado - melhor relação com os compradores de peixes e centralização das vendas com a associação
Os parâmetros e respectivos indicadores analisados geraram aprendizados diversos e intensificaram certezas, dentre elas a importância de compartilhar o conhecimento e de estimular a participação dos diferentes atores sociais. Dificilmente haverá mudança se não há conhecimento compartilhado e participação. A resistência cultural por parte dos agricultores em adotar práticas mais sustentáveis, vivenciada ao longo do projeto é um fato relevante que deve ser sempre considerado e tratado. O sistema convencional de criação de peixe ainda é o mais atrativo por ter pacote tecnológico bem consolidado e com resultados rápidos e atraentes para o produtor.
A respeito do conhecimento, e neste caso da falta de material bibliográfico sobre piscicultura com enfoque agroecológico e também a falta de profissionais e de projetos referência, há que se destacar que embora tenham gerado algumas dificuldades em alguns momentos, foram os principais motivos que levaram a Equipe decidir que organizaria a publicação de um livro sobre a temática. Livro este que reúne 16 artigos que apresentam desde revisões bibliográficas e também pesquisa sobre o tema, piscicultura com enfoque agroecológico na região sul do país.
4. CONSIDERAÇÕES
Todas as atividades que contribuam para a permanência dos agricultores e suas famílias em suas propriedades têm de ser incentivadas, fortalecendo assim os arranjos locais, o consumo sustentável e as práticas agroecológicas. As atividades desenvolvidas no projeto propiciaram intensa discussão e reflexão dos produtores sobre as vantagens da produção com bases agroecológicas, tanto para os produtores como também para a comunidade. Atualmente os produtores ligados a Aquipar produzem em torno de 450 toneladas de peixe anualmente, onde mais de 80% é da espécie tilápia. Também são cultivados carpas, jundiá, cat-fish, truta e pacu. Parte da produção de tilápia é destinada à merenda escolar, distribuída semanalmente para as escolas e creches municipais de Gastar.
5. REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA
CHAVEZ-TAFUR, Jorge. Aprender com a prática: uma metodologia para sistematização de experiências. Brasil: AS-PTA, 2007.