No arredor de casa, os animais de terreiro
Embora seja um espaço no qual as agricultoras fazem o “dinheiro pequeno” ou de onde obtêm rendas não-monetárias que asseguram maiores níveis de autonomia alimentar para a família, o arredor de casa raramente é percebido e valorizado por sua importância econômica, tornando-se vulnerável em face da pressão exercida pela necessidade de terras para o plantio dos roçados.
Esta experiência mostra como agricultoras, organizadas em busca de soluções práticas para permitir a manutenção do uso dos terreiros como espaços para criação de pequenos animais, conseguiram mudar a visão sobre a importância deste espaço na unidade familiar e também redimensionar o papel da mulher e de seu trabalho na dinâmica produtiva e econômica da família.
Em Lagoa Seca, no agreste paraibano, a estrutura fundiária revela propriedades familiares muito pequenas, de 0,5 a 1 ha. Nelas, a competição entre o espaço do roçado e do terreiro é maior e, como o roçado chega perto das casas, as galinhas e outros pequenos animais ali criados passam a ser um “problema”. A solução é deixá-las presas durante a época das chuvas, o que acaba gerando trabalho para busca de alimentos ou custos para a compra dos mesmos, além de problemas de doenças e qualidade de vida para os animais.
Para acabar com este trabalho, muitos deixam de criar os pequenos animais. Porém, a redução ou fim da criação do frango de terreiro gera diversos problemas: por um lado, a perda do conhecimento sobre manejo e, por outro, a perda da autonomia das mulheres que, responsáveis pela atividade, adquiriam renda para a família e para suas necessidades pessoais.
Partindo da importância social das atividades desenvolvidas nos terreiros, a Comissão de Mulheres do Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) de Lagoa Seca estimulou a busca de soluções: uma delas foi a criação do Fundo Rotativo de Telas, onde, reunidos em grupos, agricultores e agricultoras aprenderam a confeccionar telas de arame galvanizado e se organizaram para gerir coletivamente os recursos financeiros captados para a construção dos cercados.
Utilizadas de diversas formas, de acordo com a necessidade de cada agricultora, as telas vieram a garantir a coexistência do terreiro com o roçado na propriedade. Algumas passaram a utilizar as telas para isolar áreas de hortas ou plantas medicinais e outras para conter os animais na época das chuvas.
Outra iniciativa foi o resgate de raças locais de animais mais adaptadas e de plantas nativas e cultivadas visando a suplementação alimentar dos animais e a redução dos gastos com alimentação – por exemplo o plantio do guandu (Cajanus cajan, L.), do sorgo (Sorghum vulgare, L.) e do girassol (Helianthus annuus L.).
As ações da Comissão de Mulheres alcançaram resultados importantes como o aumento da produção de ovos e carne por mais de 60 famílias. Porém, mais que isso, mulheres se organizaram, se articularam e se socializaram. Aliado a isso, desenvolveram habilidades de agentes de um processo de resgate, geração e socialização de conhecimentos, técnicas e saberes relacionados ao manejo do terreiro e dos animais, cumprindo uma função importante para o desenvolvimento rural local.
Além disso, a organização do grupo e o desenvolvimento pessoal das participantes, somados aos resultados práticos obtidos nos terreiros, levou a um redimensionamento do papel da mulher na propriedade. Com maior autoestima e com reconhecimento por parte dos maridos, a mulher, e as atividades que antes desenvolvia, antes secundárias, passam a ser valorizadas.
O alcance das transformações se deu desde a mudança da relação entre os membros da família até a transformação da economia local: por um lado criaram-se relações mais solidárias e, por outro, o maior volume de carne e ovos produzidos permitiu a venda na Feira Agroecológica Municipal e, posteriormente, na Feira Agroecológica Regional – como resultado, vê-se a autonomia financeira e o redimensionamento da capacidade de tomada de decisões com relação ao presente e ao futuro do trabalho das mulheres.