Lei do Babaçu Livre
A eleição de uma quebradeira de coco para o Legislativo municipal fortaleceu a luta das quebradeiras e ampliou o debate acerca da necessidade de uma alteração na Lei municipal do Babaçu Livre. Com o apoio de assessorias de suas organizações locais, do MIQCB e de organizações parceiras, as quebradeiras foram discutindo as estratégias possíveis para aprovação da lei, envolvendo algumas avaliações — por exemplo, avaliação da conjuntura política municipal, estudo sobre as possibilidades jurídicas previstas na legislação e articulação das mulheres para se mobilizarem tanto no processo de construção da lei quanto no processo de pressão política à Câmara de Vereadoras/es.
Não foi um caminho fácil, haja visto que a Câmara de Vereadoras/es era formada por proprietárias/os de terra, além de algumas/ns que não eram proprietárias/os, mas defendiam os interesses do latifúndio. Dessa forma, as quebradeiras sabiam que tinham um difícil caminho. Maria Alaídes disse que teve que pedir vistas ao projeto de lei várias vezes, inclusive nas vésperas da votação, isso para garantir que o projeto a ser votado era exatamente o construído em conjunto com as mulheres e suas organizações.
O novo projeto, que foi aprovado na Câmara de Vereadoras/es, sob pressão e grande mobilização das quebradeiras, reconhece, para além do livre acesso aos babaçuais, a necessidade de proteção das palmeiras de babaçu, proibindo o envenenamento das palmeiras, regulamentando as derrubadas e qualquer ato que venha a causar danos às palmeiras de babaçu. Os artigos da nova Lei do Babaçu Livre (Lei n. 01/2000), são:
Artigo 1º: As palmeiras de coco babaçu existentes no município de Lago do Junco, Estado do Maranhão, são de livre acesso e uso comum das quebradeiras de coco e suas famílias que as exploram em regime de economia familiar e comunitária.
Artigo 2º: No município de Lago do Junco é terminantemente proibido a realização de qualquer ato que venha causar danos diretos ou indiretos as palmeiras de babaçu, como derrubada, corte de cacho, queimada, uso de agrotóxicos, cultivos de plantações que tragam algum prejuízo ao seu desenvolvimento, entre outras ações.
A lei permite o raleamento das palmeiras de babaçu (ou seja, retirar as plantas que estão em excesso), mas este tem que ser comunicado para a Prefeitura com antecedência de 7 dias, no mínimo, obedecendo os incisos da lei, que determina como deverá ser feito o raleamento, quando necessário. Deverá ser acompanhado pelo Conselho Municipal do Meio Ambiente. Na falta desse Conselho, quem acompanhará serão as organizações representativas da classe das/os trabalhadoras/es rurais do município e representantes dos proprietários de terra e do Poder Público. O não cumprimento da lei obriga o infrator a pagar multa, que será arbitrada pela Secretaria de Agricultura ou, na sua ausência, a Secretaria de Meio Ambiente será a responsável.
Cabe destacar que, para além das muitas reuniões articuladas pela AMTR e pelas organizações de apoio para a construção da minuta de projeto de lei, foram realizadas pesquisas/experimentos em áreas extrativistas em consórcio com culturas alimentares do roçado, objetivando identificar o espaçamento recomendado entre as palmeiras, de modo a evitar seu tombamento. Esse experimento foi realizado pela ASSEMA em parceria com a Universidade Estadual do Maranhão e conduzido a campo pelas famílias agricultoras. Surgiu da observação das extrativistas sobre as práticas de manejo adotadas pelos pecuaristas. Pois estes, ao preparem a área para plantio da pastagem, empregavam implementos agrícolas (discos) que faziam um corte rente às palmeiras, o que comprometia seu sistema radicular, bem como adotavam grandes espaçamentos entre as árvores, o que implicava frequentemente o tombamento das palmeiras expostas a ventos mais fortes. Dessa forma, o experimento trouxe validação científica para a proposição de artigo na Lei do Babaçu Livre referente à recomendação para raleamento e espaçamento entre palmeiras, a serem adotados tanto pelas famílias agricultoras nos roçados quanto pelos pecuaristas.
Essa experiência da Lei do Babaçu Livre tem como precedente a legislação do Estado do Maranhão, que garante a exploração aos babaçuais em terras públicas e devolutas, em regime de economia familiar e comunitária. As quebradeiras de coco incluíram o direito ao acesso livre em terras privadas, também em regime de economia familiar e comunitária.
O MIQCB tem sido a organização representativa das quebradeiras de coco em defesa do livre acesso aos babaçuais. Essa é uma das importantes bandeiras priorizadas por esse movimento, que realiza campanhas pelo babaçu livre, divulgando as leis, chamando o Poder Público e órgãos da justiça para debates esclarecedores sobre a importância e cumprimento da lei nos municípios.
A aprovação da lei, bem como os mecanismos de controle para que a lei seja cumprida, representam para as quebradeiras de coco uma grande força na luta contra a ação autoritária dos grandes proprietários, que construíram suas riquezas em cima da miséria de muitas famílias. Representa a liberdade das quebradeiras de coco para transitarem livremente no exercício da coleta e quebra de coco, garantido a reprodução física e cultural delas e de suas famílias.
Portanto, as quebradeiras de coco babaçu vivenciaram uma experiência que serve de exemplo a muitos povos e comunidades tradicionais, nas suas lutas para se manterem dignamente nos territórios. Elas conseguiram — através da organização popular, com recursos próprios e das suas organizações e com apoio financeiro de diversas agências e de amigos, bem como de intelectuais que contribuíram desde o processo de mobilização, de discussão e construção do projeto de lei — a garantia de participação na sessão de votação do projeto.
A experiência das mulheres quebradeiras de coco de Lago do Junco motivou as quebradeiras de outros municípios e estados a se mobilizarem e conseguirem apresentar em seus municípios projetos de Leis do Babaçu Livre. Muitas alcançaram seu objetivo: atualmente, são 12 leis municipais no estado do Maranhão e outras 2 aprovadas nos estados do Pará e Tocantins.
Essa experiência tem motivado outras mulheres extrativistas, como as catadoras de mangaba de Sergipe, que convidaram as quebradeiras e ouviram sua experiência relacionada ao processo da Lei do Babaçu Livre, e posteriormente apresentaram um projeto de lei estadual garantindo o livre acesso às áreas privadas para coletarem livremente a mangaba.
Embora as Leis do Babaçu Livre tenham ganhado visibilidade dentro dos movimentos, ainda é desconhecido por muitos o conteúdo dessa lei. O MIQCB tem realizado campanhas com apoio vindo de projetos de agências financiadoras. Essas campanhas divulgam as Leis do Babaçu Livre, chamando atenção para os artigos que garantem o livre acesso e a preservação ambiental, destacando a relação que as quebradeiras têm com as florestas de babaçu e seu cuidado em manter vivas todas as vidas que elas abrigam. Também divulgam as penalidades que os infratores podem sofrer caso não cumpram a lei. Essas ações de incidência das quebradeiras de coco, através das suas organizações, são fundamentais para a visibilidade e controle social. As quebradeiras de coco fazem um árduo trabalho de conscientização das autoridades de órgãos responsáveis pela garantia do cumprimento da lei, visto que não são poucos os que estão à frente dos órgãos e não têm conhecimento dessa legislação.
As quebradeiras de coco e suas organizações têm garantido as estratégias para sua produção. Atualmente, elas produzem sabonetes, azeite, artesanato, mesocarpo, além de ter garantida a venda das amêndoas de babaçu a um preço justo, sem a intervenção dos atravessadores. O acesso a políticas públicas também é uma consequência desse processo organizativo. Hoje o babaçu faz parte dos produtos inseridos no Programa de Garantia do Preço Mínimo (PGMPbio). Além disso, as quebradeiras e suas famílias fornecem sua produção ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A garantia de ter o acesso livre ao babaçu e ter sua produção para atender ao mercado é uma conquista de grande significado, é ter o controle sobre sua produção de trabalho, e isso é um dos importantes resultados alcançados na conquista da Lei do Babaçu Livre. Onde as quebradeiras têm seu acesso impedido ou ameaçado, muitas mulheres não podem acessar essas políticas governamentais, sendo impedidas de melhorarem sua renda.
A Lei do Babaçu Livre, criada pelas quebradeiras para que pudessem exercer seu direito de entrarem livremente nos babaçuais, tem alcançado resultados cada vez maiores. Ela beneficia todas as mulheres quebradeiras de coco dos municípios onde existe a lei, assegurando a elas o direito à sua produção e comercialização, garantindo a segurança física e econômica das quebradeiras e suas famílias.