Lei do Babaçu Livre


A eleição de uma quebradeira de coco para o Legislativo municipal fortaleceu a luta das quebradeiras e ampliou o debate acerca da necessidade de uma alteração na Lei municipal do Babaçu Livre. Com o apoio de assessorias de suas organizações locais, do MIQCB e de organizações parceiras, as quebradeiras foram discutindo as estratégias possíveis para aprovação da lei, envolvendo algumas avaliações — por exemplo,  avaliação da conjuntura política municipal, estudo sobre as possibilidades jurídicas previstas na legislação e articulação das mulheres para se mobilizarem tanto no processo de construção da lei quanto no processo de pressão política à Câmara de Vereadoras/es.
Não foi um caminho fácil, haja visto que a Câmara de Vereadoras/es era formada por proprietárias/os de terra, além de algumas/ns que não eram proprietárias/os, mas defendiam os interesses do latifúndio. Dessa forma, as quebradeiras sabiam que tinham um difícil caminho. Maria Alaídes disse que teve que pedir vistas ao projeto de lei várias vezes, inclusive nas vésperas da votação, isso para garantir que o projeto a ser votado era exatamente o construído em conjunto com as mulheres e suas organizações.
O novo projeto, que foi aprovado na Câmara de Vereadoras/es, sob pressão e grande mobilização das quebradeiras, reconhece, para além do livre acesso aos babaçuais, a necessidade de proteção das palmeiras de babaçu, proibindo o envenenamento das palmeiras, regulamentando as derrubadas e qualquer ato que venha a causar danos às palmeiras de babaçu. Os artigos da nova Lei do Babaçu Livre (Lei n. 01/2000), são:

Artigo 1º: As palmeiras de coco babaçu existentes no município de Lago do Junco, Estado do Maranhão, são de livre acesso e uso comum das quebradeiras de coco e suas famílias que as exploram em regime de economia familiar e comunitária.
Artigo 2º: No município de Lago do Junco é terminantemente proibido a realização de qualquer ato que venha causar danos diretos ou indiretos as palmeiras de babaçu, como derrubada, corte de cacho, queimada, uso de agrotóxicos, cultivos de plantações que tragam algum prejuízo ao seu desenvolvimento, entre outras ações.

A lei permite o raleamento das palmeiras de babaçu (ou seja, retirar as plantas que estão em excesso), mas este tem que ser comunicado para a Prefeitura com antecedência de 7 dias, no mínimo, obedecendo os incisos da lei, que determina como deverá ser feito o raleamento, quando necessário. Deverá ser acompanhado pelo Conselho Municipal do Meio Ambiente. Na falta desse Conselho, quem acompanhará serão as organizações representativas da classe das/os trabalhadoras/es rurais do município e representantes dos proprietários de terra e do Poder Público. O não cumprimento da lei obriga o infrator a pagar multa, que será arbitrada pela Secretaria de Agricultura ou, na sua ausência, a Secretaria de Meio Ambiente será a responsável.
Cabe destacar que, para além das muitas reuniões articuladas pela AMTR e pelas organizações de apoio para a construção da minuta de projeto de lei, foram realizadas pesquisas/experimentos em áreas extrativistas em consórcio com culturas alimentares do roçado, objetivando identificar o espaçamento recomendado entre as palmeiras, de modo a evitar seu tombamento. Esse experimento foi realizado pela ASSEMA em parceria com a Universidade Estadual do Maranhão e conduzido a campo pelas famílias agricultoras. Surgiu da observação das extrativistas sobre as práticas de manejo adotadas pelos pecuaristas. Pois estes, ao preparem a área para plantio da pastagem, empregavam implementos agrícolas (discos) que faziam um corte rente às palmeiras, o que comprometia seu sistema radicular, bem como adotavam grandes espaçamentos entre as árvores, o que implicava frequentemente o tombamento das palmeiras expostas a ventos mais fortes. Dessa forma, o experimento trouxe validação científica para a proposição de artigo na Lei do Babaçu Livre referente à recomendação para raleamento e espaçamento entre palmeiras, a serem adotados tanto pelas famílias agricultoras nos roçados quanto pelos pecuaristas.
Essa experiência da Lei do Babaçu Livre tem como precedente a legislação do Estado do Maranhão, que garante a exploração aos babaçuais em terras públicas e devolutas, em regime de economia familiar e comunitária. As quebradeiras de coco incluíram o direito ao acesso livre em terras privadas, também em regime de economia familiar e comunitária.
O MIQCB tem sido a organização representativa das quebradeiras de coco em defesa do livre acesso aos babaçuais. Essa é uma das importantes bandeiras priorizadas por esse movimento, que realiza campanhas pelo babaçu livre, divulgando as leis, chamando o Poder Público e órgãos da justiça para debates esclarecedores sobre a importância e cumprimento da lei nos municípios.
A aprovação da lei, bem como os mecanismos de controle para que a lei seja cumprida, representam para as quebradeiras de coco uma grande força na luta contra a ação autoritária dos grandes proprietários, que construíram suas riquezas em cima da miséria de muitas famílias. Representa a liberdade das quebradeiras de coco para transitarem livremente no exercício da coleta e quebra de coco, garantido a reprodução física e cultural delas e de suas famílias.
Portanto, as quebradeiras de coco babaçu vivenciaram uma experiência que serve de exemplo a muitos povos e comunidades tradicionais, nas suas lutas para se manterem dignamente nos territórios. Elas conseguiram — através da organização popular, com recursos próprios e das suas organizações e com apoio financeiro de diversas agências e de amigos, bem como de intelectuais que contribuíram desde o processo de mobilização, de discussão e construção do projeto de lei — a garantia de participação na sessão de votação do projeto.
A experiência das mulheres quebradeiras de coco de Lago do Junco motivou as quebradeiras de outros municípios e estados a se mobilizarem e conseguirem apresentar em seus municípios projetos de Leis do Babaçu Livre. Muitas alcançaram seu objetivo: atualmente, são 12 leis municipais no estado do Maranhão e outras 2 aprovadas nos estados do Pará e Tocantins.
Essa experiência tem motivado outras mulheres extrativistas, como as catadoras de mangaba de Sergipe, que convidaram as quebradeiras e ouviram sua experiência relacionada ao processo da Lei do Babaçu Livre, e posteriormente apresentaram um projeto de lei estadual garantindo o livre acesso às áreas privadas para coletarem livremente a mangaba.
Embora as Leis do Babaçu Livre tenham ganhado visibilidade dentro dos movimentos, ainda é desconhecido por muitos o conteúdo dessa lei. O MIQCB tem realizado campanhas com apoio vindo de projetos de agências financiadoras. Essas campanhas divulgam as Leis do Babaçu Livre, chamando atenção para os artigos que garantem o livre acesso e a preservação ambiental, destacando a relação que as quebradeiras têm com as florestas de babaçu e seu cuidado em manter vivas todas as vidas que elas abrigam. Também divulgam as penalidades que os infratores podem sofrer caso não cumpram a lei. Essas ações de incidência das quebradeiras de coco, através das suas organizações, são fundamentais para a visibilidade e controle social. As quebradeiras de coco fazem um árduo trabalho de conscientização das autoridades de órgãos responsáveis pela garantia do cumprimento da lei, visto que não são poucos os que estão à frente dos órgãos e não têm conhecimento dessa legislação.
As quebradeiras de coco e suas organizações têm garantido as estratégias para sua produção. Atualmente, elas produzem sabonetes, azeite, artesanato, mesocarpo, além de ter garantida a venda das amêndoas de babaçu a um preço justo, sem a intervenção dos atravessadores. O acesso a políticas públicas também é uma consequência desse processo organizativo. Hoje o babaçu faz parte dos produtos inseridos no Programa de Garantia do Preço Mínimo (PGMPbio). Além disso, as quebradeiras e suas famílias fornecem sua produção ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A garantia de ter o acesso livre ao babaçu e ter sua produção para atender ao mercado é uma conquista de grande significado, é ter o controle sobre sua produção de trabalho, e isso é um dos importantes resultados alcançados na conquista da Lei do Babaçu Livre. Onde as quebradeiras têm seu acesso impedido ou ameaçado, muitas mulheres não podem acessar essas políticas governamentais, sendo impedidas de melhorarem sua renda.
A Lei do Babaçu Livre, criada pelas quebradeiras para que pudessem exercer seu direito de entrarem livremente nos babaçuais, tem alcançado resultados cada vez maiores. Ela beneficia todas as mulheres quebradeiras de coco dos municípios onde existe a lei, assegurando a elas o direito à sua produção e comercialização, garantindo a segurança física e econômica das quebradeiras e suas famílias.

2. Antecedentes da experiência

2.1 Faça um resumo dos antecedentes da iniciativa.

Falar do babaçu livre é falar sobre a luta pelo direito das quebradeiras de coco e suas famílias de viverem livremente em seus territórios. É falar sobre a proteção e cuidado com as florestas de babaçu e com toda sua vegetação. É sobre a força das mulheres, nos seus mais diversos processos de organização.

A história da luta pelo babaçu livre marca a história da luta pela terra na região do Médio Mearim. Em 1980, essa região vivia a expansão da pecuária, quando a floresta, inclusive o babaçu, estava sendo substituída pela pastagem. Segundo Maria Alaídes, coordenadora-geral do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), em entrevista reportada por Eduardo Sá ao Mídia Ninja, na matéria que trata sobre “A importância da Lei dos Babaçus Livres para as quebradeiras de coco”, afirmou que essa situação levou à exclusão social de muitas mulheres e suas famílias.

“Devido às tradições ou à cultura, não pensávamos em lutar para ter as formas livres de sobrevivência a partir do extrativismo dos babaçuais onde morávamos. Na cabeça dos meus pais e avós, lutar por coco livre era pecado e invadir era crime. Então ficamos uns 20 anos nesta situação. Não podíamos comprar uma sandália havaiana”, diz Maria Alaídes.

Foram períodos difíceis, nos quais as mulheres quebradeiras de coco e suas famílias sofreram uma intensa situação de ameaças e exclusões. Quem conhece a história das quebradeiras de coco sabe da desvalorização dada por fazendeiros e comerciantes ao valor do babaçu. Se compararmos o preço da amêndoa com o do arroz, o quilo desse último valia 10 vezes mais que o do babaçu, ou seja, eram necessários 10 kg de coco (amêndoa) para comprar 1 kg de arroz e garantir, assim, alimento para suas famílias. Para termos uma ideia do significado dessa desvalorização, essa produção de 10 kg de babaçu correspondia a um dia ou mais de trabalho de uma quebradeira.

Eram diversas formas de submissão, que impediam as agroextrativistas de ter uma vida mais digna, de ter a garantia de segurança alimentar e nutricional. Além da desvalorização do preço do babaçu, os fazendeiros submetiam as famílias a arrendarem as suas terras, em condições de exploração inaceitáveis.

“Dava 3 alqueires de arroz (cerca de 30 kg por alqueire, na medida deles) por cada linha de roça. Dois sacos de milho sem direito a plantar a fava, que era uma produção mais tardia. O dono queria botar o gado assim que a gente tirasse o arroz para comer a pastagem. Como o babaçu era nossa sobrevivência, o pai vendia logo o ‘arroz na palha’ e continuava na mesmice, porque precisava quebrar 10 kg de coco para comprar 1 kg de arroz”, diz Maria Alaídes, em entrevista a Eduardo Sá.

Tantas humilhações e exclusões do direito de viverem livremente em seus territórios motivaram as quebradeiras de coco e suas famílias a se organizarem, com apoio da Igreja Católica, e a pensarem estratégias de enfrentamento. Esse processo era acompanhado de muitos conflitos, as quebradeiras de coco eram, não raramente, obrigadas a fazerem a “quebra de meia ou de terça”, ou seja, dividirem a metade ou a terça parte da sua produção com os fazendeiros ou seus jagunços. Além disso, por ser uma atividade exercida em sua grande maioria por mulheres, elas sofriam muitas ameaças, muitas vezes concretizadas com violências física e psicológica, refletidas em insultos, desvalorização do seu trabalho, ter sua produção jogada no chão, ter suprimidos seus instrumentos de trabalho, serem submetidas a passar por baixo das cercas de arame farpado, apanhar de piola (chicote utilizado pelos jagunços) e ainda houve casos envolvendo arma de fogo, por exemplo, mulheres que foram feridas por arma de fogo ao enfrentarem os jagunços.

Foram muitos os casos e formas de violência estabelecida, microrrelações que ocorrem de forma violenta, envolvendo as mulheres quebradeiras de coco babaçu e os fazendeiros e as empresas — por exemplo, com a obrigatoriedade de apresentar carteiras que permitem o acesso de algumas mulheres a determinada propriedade; ou com contratos, como no caso da empresa Celmar Indústria de Papel e Celulose na região de Imperatriz, que em determinada época delimitava a área a ser explorada pelas extrativistas.

A luta pelo babaçu fomentou a luta pela terra, que também traz relações históricas de ameaças, mortes, exclusões e muita exploração das famílias que vivem dela. Nos anos 1980, as famílias da região passaram a se mobilizar e enfrentar os fazendeiros:

“Muita injustiça, queima de casa, outras derrubadas, carro blindado circulando na minha comunidade para proteger a propriedade privada, muitas mortes. Então, as mulheres começaram a discutir formas de resistir naquelas pequenas comunidades a partir dos clubes de mães. A igreja chegou com as suas formações, com um movimento grande de evangelização, que era clandestino. Eu tinha uns 8 anos. Falava muito da ditadura de 1964, porque nessa época não podia fazer reunião, pois se as pessoas escutassem seriam presas. Então, começamos a nos organizar em quintais de igrejas, com ajuda dos padres. ‘Pegamos as características’ de um coletivo e fomos aprendendo a nos libertar, mesmo com o cinto apertando”, conta Maria Alaídes.

Esse relato nos mostra que a luta do babaçu não está dissociada da luta pela terra. Os ameaçadores eram os mesmos, e submetiam as famílias às mais diversas formas de violência. A Lei de Terras no Maranhão, conhecida como Lei Sarney de Terras, reforçava a exclusão de trabalhadoras e trabalhadores rurais. Em seu artigo 14 diz: “Não serão alienadas nem concedidas terras a quem for proprietário no Estado, cuja área ou áreas de sua posse ou domínio não sejam devidamente utilizadas com explorações de natureza agropecuária, extrativa ou industrial”. A lei privilegia a ideia do latifúndio, considerando atrasados os lavradores e suas famílias, em suas relações de uso e cuidado com a terra e seus recursos naturais.

As quebradeiras passaram a lutar pelo direito de viverem em seus territórios, fortalecendo a luta já iniciada pelo direito ao acesso livre aos babaçuais, pelo direito de venderem livremente sua produção, sem estarem submetidas a humilhantes relações comerciais. Enfrentaram jagunços e policiais, que chegavam em suas casas ameaçando derrubar e queimar. Como estratégia de luta e sobrevivência, os seus companheiros escondiam-se na mata, enquanto as mulheres e as crianças garantiam a presença em suas casas, resistindo às pressões do latifúndio.

As famílias contavam com um importante apoio da Igreja Católica na região. Na época, havia o Movimento Clandestino de Evangelização, a Ação Católica Rural, as Pastorais, além das reuniões que a Igreja fazia, apoiando as famílias nas estratégias de enfrentamento. Em sua entrevista à Mídia Ninja, Maria Alaídes relatou que, se não fosse a presença da Igreja na região, o conflito teria sido ainda mais violento.

Com esse aprendizado na Igreja, as quebradeiras de coco e suas famílias foram criando suas organizações de base, como os clubes de mães, suas associações e cooperativas. As mulheres também passaram a empreitar uma luta pela sindicalização, faziam mutirões nas comunidades para levantar recursos para as mulheres se tornarem sócias do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais. Na região do Médio Mearim, nesse período foram criadas a Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Lago do Junco e Lago dos Rodrigues (AMTR), a Cooperativa de Pequenos Produtores Rurais (COPPALJ) e a Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (ASSEMA). Essas organizações têm um papel fundamental nesse processo de luta e conquistas do direito à terra e ao babaçu.

“Essa luta durou muito tempo, mas aqui no Médio Mearim foi rápido, por causa das mortes que aconteceram e porque foi negociado pelo Estado. O Iterma [Instituto de Colonização e Terras do Maranhão] e o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] foram desapropriando nesses municípios. Só aqui no Lago do Junco foram mais de 4 mil hectares desapropriados. Nessa época, nem uma galinha a gente tinha, havia casas nossas derrubadas ou queimadas”, conta Maria Alaídes.

A luta pelo babaçu livre foi mais demorada. A experiência inédita de ter uma Lei do Babaçu Livre aprovada e sancionada — como dizem muitas quebradeiras, “a lei no papel” — existiu antes, “na marra”. Toda a luta travada pelas quebradeiras, em busca do livre acesso aos babaçuais, está representada de certa forma nessa lei.

As quebradeiras de coco, no município de Lago do Junco, iniciaram um processo de organização e resistência que resultou na aprovação da primeira Lei municipal do Babaçu Livre, em 1997 (Lei n. 05/1997). Para alcançarem esse sonho, as quebradeiras, através de suas organizações, mobilizaram muitas reuniões para debaterem e elaborarem em conjunto um projeto de lei, que foi defendido na Câmara Municipal pela vereadora Zélia do PT.

Com a aprovação na Câmara de Lago do Junco, as quebradeiras tiveram sua primeira Lei do Babaçu Livre aprovada. Ainda que essa lei contivesse apenas um artigo, autorizando “o Chefe do Poder Executivo Municipal a tornar a atividade extrativista do babaçu uma atividade livre no município de Lago do Junco, mesmo na área de fazendeiro”, ela representava uma luta pelo direito de muitas gerações. A lei tirava das quebradeiras o peso, que muitas vezes ouviam, de estarem fazendo algo errado, que seria entrar em terras “alheias” para coletarem e quebrarem o coco. A lei trouxe a clareza que muitas mulheres já tinham naquele momento e passaram então a mostrar isso a outras tantas mulheres. A terra era delas e de suas famílias, que tradicionalmente ali viviam. O coco é um recurso natural e, portanto, o seu acesso para uso desse recurso para sua reprodução cultural, social e econômica não poderia ser crime. O crime era serem impedidas de exercerem livremente o seu direito à vida. Como diz Shiraishi no livro Economia do Babaçu: levantamento preliminar de dados, “onde a árvore é um bem principal, invertem o conceito de direito que valora a terra em detrimento das árvores, tido no Código Civil como bem acessório” (Almeida; Shiraishi Neto; Mesquita, 2001, p. 47).

Apesar da lei, as quebradeiras de coco babaçu percebiam dia a dia as estratégias dos fazendeiros para evitar o acesso delas aos babaçuais. Cada vez mais as derrubadas e envenenamentos de babaçuais agrediam as quebradeiras e suas famílias, que se viam obrigadas a coletarem o coco cada vez mais longe, assistindo à devastação dos babaçuais numa briga diária com os ditos proprietários. As quebradeiras de coco ligadas à AMTR repetiam em vários espaços que, se nada fizessem para impedir as derrubadas, os envenenamentos, as queimadas, elas teriam em pouco tempo uma lei apenas no papel, pois o babaçu estaria devastado.

No ano 2000, as quebradeiras de coco haviam eleito uma liderança quebradeira para a Câmara de Vereadoras/es do município de Lago do Junco: Maria Alaídes, que havia sido presidenta da AMTR, membra da diretoria da ASSSEMA, cooperada da Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco (COPPALJ) e participou da fundação do MIQCB. Essas organizações se reúnem para indicarem dentro de seus movimentos uma liderança representativa para ser indicada como candidata/o; na ocasião, seria para vereadora. Indicaram a Maria Alaídes para ser a representante das mulheres quebradeiras e suas famílias. A indicação foi encaminhada ao Partido dos Trabalhadores (PT). Ela venceu as eleições, passando a construir a pauta de ações a ser realizada junto das organizações que apoiaram seu mandato. A principal pauta era elaborar uma Lei do Babaçu Livre mais ampla, que atendesse às quebradeiras para além do acesso aos babaçuais.


Referências:

Almeida, A. W. B.; Shiraishi Neto, J.; Mesquita, B. A. de. Economia do babaçu: levantamento preliminar de dados. São Luís; MIQCB BALAIOS TYPOGRAPHIA; 2 ed; 2001. 294 p.

Sá, E. A importância da Lei dos Babaçus Livres para as quebradeiras de coco. Mídia Ninja, 2022. Disponível em https://midianinja.org/news/a-importancia-da-lei-dos-babacus-livres-para-as-quebradeiras-de-coco/

3. Participação social e política na experiência

3.3 Como se deu a participação das diferentes organizações da sociedade civil (grupos, coletivos, movimentos sociais e outros) na iniciativa?

O processo de construção da lei se deu de forma articulada e participativa pelas quebradeiras. As organizações de base e de assessoria técnica mobilizavam as mulheres para oficinas de escuta para definirem quais questões deveriam ser abordadas na lei. A partir dessa escuta, a minuta de lei era redigida em um escritório por colaboradores (intelectuais que apoiavam o movimento) e por uma assessoria técnica, e então era devolvida para o coletivo avaliar os aspectos abordados e os aspectos jurídicos da lei.

Durante o processo de aprovação da Lei do Babaçu Livre no município, diversas organizações estiveram envolvidas, desde o Clube de Mães, envolvendo mulheres de diversas comunidades; a AMTR, como organização representativa das quebradeiras de coco nos municípios de Lago do Junco e Lago dos Rodrigues; a ASSEMA, que apoiou o processo de discussão e elaboração dos dois projetos de leis apresentados e aprovados; a COPPALJ, que apoiou com importante participação nas discussões e construção do texto apresentado no projeto de lei; além do próprio MIQCB.

Em qual(is) rede(s) a iniciativa foi construída ou articulada?

A iniciativa ocorreu com apoio de diversas organizações - Clube de Mães,  AMTR, ASSEMA, COPPALJ-  ao processo de construção, apresentação e pressão na Câmara dos Vereadores no dia da votação do Projeto de Lei. Embora não constituam uma rede essas organizações atuam de forma articulada no território Médio Mearim.

3.5 Em que âmbito se deu a participação da sociedade civil?

  • Na articulação com atores políticos (advocacy)
  • Na redação/elaboração de políticas públicas
  • Audiência pública

3.6 Dentre as pessoas que protagonizaram essa iniciativa, marque o gênero com maior participação:Mulheres

3.7 Dentre as pessoas que protagonizaram essa iniciativa, assinale o grupo racial com maior participação:Não é possível aferir

3.8 Dentre as pessoas protagonistas, marque o grupo de faixa etária com maior participação:30 - 59 anos

3.10 Como pode ser qualificado o processo de participação da sociedade civil na iniciativa?Muito efetiva (participação substantiva durante todo o processo)

3.13 Quais os resultados, aprendizados e desafios da iniciativa?

O resultado foi a aprovação de uma lei garantindo o livre acesso das quebradeiras de coco babaçu aos babaçuais — uma lei que proíbe derrubadas, envenenamento e outras formas de destruir as palmeiras de babaçu. A lei traz para as quebradeiras de coco babaçu um direito de entrar livremente, mesmo em áreas privadas, e coletarem o coco babaçu. Retira de milhares de mulheres o estigma de entrar às escondidas e pegar o babaçu sem autorização dos fazendeiros. Garante às mulheres o direito de denunciar quem quer que venha a proibi-las desse direito, quem venha a ameaçá-las ou a obrigá-las a qualquer forma de sujeição para ter acesso ao fruto da palmeira.

Os desafios são muitos. Garantir a lei no papel foi um caminho difícil, de muitos debates, muitas parcerias e articulações a nível municipal. Contudo, ter a lei no papel não é garantia de tê-la na prática, efetivamente funcionando. Assim, as quebradeiras de coco e suas organizações têm denunciado proprietários de terras que derrubam, envenenam, plantam vegetações que, a exemplo do capim braquiária, ameaçam a vida das palmeiras de babaçu, e também, é claro, os que têm impedido o livre acesso aos babaçuais. São poucas as denúncias feitas e, das encaminhadas à promotoria regional, nenhuma foi por impedimento, estavam todas relacionadas a derrubadas irregulares de babaçuais, e nenhuma multa foi paga pelos infratores.

As Leis municipais do Babaçu Livre são instrumentos jurídicos importantes e significativos de fortalecimento dos direitos coletivos dos povos e comunidades tradicionais, ultrapassando a demarcação de perímetro territorial, porque nelas está pervisto o direito de uso comum dos recursos naturais, um entendimento de que a terra é um bem comum, garantidor da vida. Tendo em vista que não avançou no estado a aprovação da Lei estadual do Babaçu Livre, o Movimento das Quebradeiras de Coco no Maranhão obteve o reconhecimento do Dia Estadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, por meio da  Lei n. 9428/2011, proposto pelo deputado estadual Bira do Pindaré (PT) e sancionado pelo Governo Estadual do Maranhão. Embora a lei estadual não tenha avançado, a data de 24 de setembro como alusiva às quebradeiras de coco babaçu reforça a identidade do movimento e a importância política da luta.

NomeAssociação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Lago do Junco e Lago do Rodrigues

Qual o papel da organização na iniciativa?

  • Apoiadora
  • Participante

NomeAssociação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão

Qual o papel da organização na iniciativa?

  • Financiadora
  • Facilitadora do processo participativo
  • Mediadora entre sociedade civil e poder público
  • Apoiadora

NomeMovimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu

Qual o papel da organização na iniciativa?

  • Apoiadora
  • Participante
  • Mediadora entre sociedade civil e poder público
  • Financiadora

NomeCooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco

Qual o papel da organização na iniciativa?

  • Apoiadora
  • Participante

4. Institucionalidade do processo

4.1 Quais esferas públicas estiveram associadas?Legislativo

4.2 A experiência se deu de forma suprapartidária? Sim

4.3 A experiência se deu de forma intersecretarial/intersetorial? Não

4.4 Houve envolvimento de conselhos municipais?Não

4.5 A experiência resultou em alguma institucionalização?Lei

Indique qual o nome e/ou número da norma ou instrumento de política pública.Lei Municipal do Babaçu Livre nº 01/2002.

Qual o estado atual da norma ou instrumento de política pública?Vigente (existe e possui estrutura pública para sua operação, mas seu orçamento é incerto)

Há orçamento para execução da política pública?Não

4.6 A experiência está relacionada a outras políticas públicas municipais?Não

4.7 A experiência está relacionada a alguma política pública estadual?Não

4.8 A experiência está relacionada a alguma política pública federal?Não

Anexos

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