Grupo Agroextrativista do Cerrado - Grão Mogol - MG
A relação dos agricultores do Grupo Agroextrativista do Cerrado com a agroecologia está intimamente ligada à origem do assentamento da reforma agrária onde vivem e produzem, no município de Grão Mogol, região norte de Minas Gerais. Embora alguns integrantes das 12 famílias que compõem o grupo já tivessem experiências com a produção ecológica e o manejo de espécies do cerrado (estimuladas sobretudo pelo Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas - CAA-NM), o trabalho mais estruturado e coletivo teve início há cerca de dez anos, na luta pela terra.
Nessa época as famílias estavam acampadas na fazenda Americana, zona rural de Grão Mogol, e o INCRA (Instituto de Colonização e Reforma Agrária) elaborou um laudo dizendo que a área não era apropriada para a agricultura. O CAA-NM então promoveu estudos, discussões com os acampados e entrevistas com agricultores do entorno da fazenda e produziu um “contralaudo” propondo a criação de um assentamento agroextrativista, em que as atividades de produção agrícola seriam combinadas à conservação do cerrado - à moda das práticas antigas da região. O esforço teve resultado e há seis anos a fazenda foi desapropriada, possibilitando o assentamento de 76 famílias.
O grupo desenvolve algumas atividades coletivas e outras individuais, mas a comercialização do que os agricultores produzem ou coletam é quase toda feita em conjunto através da Cooperativa Grande Sertão, à qual são associados.
Frutas nativas e cultivadas
No caso das frutas, o trabalho de coleta de nativas é geralmente feito em grupo. Frutas como o panã, coquinho-azedo, cagaita, mangaba, pequi, maracujá-nativo e araçá são então buscados pela Cooperativa, que as despolpa e congela. Em sistemas agroflorestais, as famílias ainda produzem abacaxi, laranja, limão, caju, manga, maracujá, tamarindo, graviola, pitanga, café, pequi, fruta-pão, jamelão e umbu. As famílias também já têm pomares formados com manga, goiaba, maracujá “cultivado”, siriguela, acerola, tamarindo e cajá, mas essas plantas ainda não estão produzindo. Elas pretendem também enriquecer suas áreas com o plantio de frutíferas nativas. E a Cooperativa agora planeja começar a fabricar também sucos “prontos” naturais para ampliar seu mercado.
Esta produção de frutas já tem rendido às famílias uma média de R$ 200,00 por safra, mas a expectativa é que vá melhorar com o aumento da produção.
Mais recentemente uma das agricultoras do grupo começou a fabricação de iogurte caseiro com polpa de frutas cultivadas (abacaxi, maracujá e goiaba) e nativas (panã e coquinho-azedo). Ela aprendeu a técnica e um curso promovido pelo SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) no assentamento, que contou com a participação de 10 pessoas. A aceitação foi enorme! Ela tem vendido para os funcionários do CAA-NM (obtendo cerca de R$40 por semana), mas já tem demanda para vender em Grão Mogol, tanto para indivíduos como para a merenda escolar estadual. O grupo está planejando articular as mulheres do assentamento para organizar essa produção e dar conta da demanda. Estão também investindo na formação de pasto para começar a comprar vacas leiteiras, pois atualmente leite é comprado em fazenda próxima ao assentamento.
Roçados agroecológicos
Outra atividade de destaque são os roçados agroecológicos. Neste caso não há áreas de produção coletivas. A partir de cursos e experiências junto ao CAA-NM, os agricultores abandonaram a prática tradicional de queimar e limpar completamente o terreno antes do plantio. Começaram a experimentar consórcios com poucas espécies, em terreno limpo, e aos poucos foram aprendendo a diversificar. Chamam de “faxina” a técnica que usam para o preparo do solo: de foice, tiram a vegetação “fina” e deixam a “grossa”. A vegetação cortada é picada e deixada no terreno para adubar a terra. Não usam mais queimada, nem adubos químicos ou agrotóxicos.
Neste sistema, atualmente plantam abacaxi, 14 variedades de guandu, milho com fava na mesma cova, mandioca, manga, laranja, limão, amora, siriguela, pequi, panã, xixá, acerola, urucum, umbu, caju, cajá, palma e umburana, além das nativas que já estão nas áreas de produção. Algumas hortaliças também são cultivadas nos roçados agroecológicos, “na sombrinha do panã”: couve, tomate, beterraba, cenoura, “batatinha”, salsa, alface, pimenta, cebolinha, alho, cebola, quiabo, coentro, maxixe do reino, batata doce, abóbora e pimentão. E muitas espécies medicinais são cultivadas junto com as hortaliças e viveiros de frutas.
As áreas de roçado têm em média 1 hectare. Parte dessa produção é para o consumo, parte é comercializada através da Cooperativa e o restante em feiras livres. Em média, a parte comercializada rende R$ 200,00 por mês para cada família. Mas os agricultores ainda não calcularam quanto economizam ao consumirem esses produtos e não terem que comprar alimentos.
Plantas medicinais e remédios caseiros
O trabalho com plantas medicinais é outra atividade importante. Cerca de 40 espécies nativas são coletadas coletivamente pelo grupo e outras 20 são cultivadas pelas famílias. A partir de ensinamentos adquiridos em cursos, eventos e através da assessoria do CAA-NM, o grupo hoje fabrica 40 tipos de remédios caseiros, alguns combinando várias plantas diferentes. Os equipamentos para a fabricação dos remédios foram adquiridos através de projetos aprovados com a ajuda do CAA-NM.
Os remédios são usados pelas famílias que compõem o grupo e comercializados em feiras e encontros. Há também pessoas que vão ao assentamento para comprá-los diretamente dos agricultores. Eles calculam que a comercialização dos medicamentos rendam uma média de R$ 300,00 por mês, que são distribuídos entre as 12 famílias. Mas ressaltam que o lucro maior que têm é não mais gastarem dinheiro nas farmácias: muito raramente compram remédios industrializados.
Tanto as frutas como as plantas medicinais em breve começarão a ser processadas na Unidade Multiuso de Beneficiamento de Frutos do Cerrado, obra já em andamento viabilizada através de projetos aprovados com a Fundação Banco do Brasil, o Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS) e a Cese (Coordenadoria Ecumênica de Serviço).
Sementes crioulas
Mais recentemente o grupo tem desenvolvido também atividades de resgate, melhoramento e conservação de sementes crioulas. No último ano foi implantada uma área coletiva para teste de competição entre variedades de milho. Nove variedades foram escolhidas para o ensaio, algumas das quais tiveram que ser resgatadas, pois os agricultores do grupo já não as conservavam em seus estoques familiares.
A semente campeã foi a “boa vista”, também chamada de “3 meses”, que começou a ser plantada no local há dez anos, quando as famílias ainda acampavam na fazenda. Ela foi sendo objeto de melhoramento genético ao longo de todo esse tempo. As características selecionadas pelos agricultores foram o porte médio, precocidade, homogeneidade na altura das espigas, produtividade e tolerância à seca. Esta última, inclusive, é a responsável pelo nome “3 meses”: se houver 20 dias de chuva distribuídos ao longo dos primeiros três meses do plantio, a produção está garantida. A colheita se dá a partir dos 120 dias.
O próximo passo do grupo neste tema é a constituição de um Banco de Sementes Comunitário. Em princípio o capital inicial para a constituição do Banco será aportado pelos próprios agricultores. O CAA-NM deverá ajudar com a infraestrutura (bombonas, balança e frascos). Pretendem montar um banco diversificado, tanto em espécies como em variedades.
As famílias observam que as práticas que vêm sendo adotadas nas diferentes atividades conduzidas pelo grupo têm ajudado a conservar o cerrado. Na coleta de frutos nativos, tomam o cuidado de não tirar todos os frutos das árvores, coletando só os maduros, andam com cuidado para não quebrar as plantas, e estão planejando cercar uma área coletiva para colocar o gado e fazer o manejo do cerrado. Na coleta de plantas medicinais procuram não eliminar as plantas, dando preferência ao uso das partes aéreas. Além disso, estão planejando realizar o enriquecimento das áreas através do plantio de espécies nativas.