Frutas nativas: de testemunhos da fome a iguarias na mesa
Ao contrário da região úmida do Agreste Paraibano (Brejo), onde as frutas nativas são mantidas e utilizadas pelas famílias dos agricultores, nas regiões do Curimataú e do Cariri estas costumam ser menos valorizadas, sendo associadas a momentos difíceis da vida: na seca, lembram a fome.
Porém algumas iniciativas realizadas pelo Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema, assessorado pela AS-PTA e pela Associação Plantas do Nordeste (APNE), vêm mudando esta visão. Este trabalho começou com um diagnóstico sobre a percepção e os conhecimentos sobre frutas nativas.
O objetivo deste diagnóstico, realizado em sete municípios, foi o de resgatar e valorizar o conhecimento sobre o uso das frutas nativas na alimentação das famílias, bem como identificar técnicas e estratégias de manejo, beneficiamento e comercialização de frutas ainda presentes no cotidiano das comunidades.
Durante o diagnóstico, 29 das 44 espécies identificadas foram consideradas de grande potencial, devido a apresentarem uma diversidade de usos e funções dentro da propriedade. Foi o caso do umbú e do cajá que, mesmo em regiões que sofrem pressão de desmatamento, ainda se mantém por serem importantes para o fornecimento de sombra, adubo para o solo, madeira, estacas, cercas-vivas ou alimentos para abelhas.
O diagnóstico permitiu trazer para as comunidades o debate sobre a importância da rica diversidade de frutas nativas existente na região e seus inúmeros usos, favorecendo a realização de uma análise coletiva sobre o papel potencial que essas espécies podem desempenhar na satisfação das necessidades alimentares e econômicas das famílias. Como consequência, a revalorização desse conhecimento provocou uma imediata mudança de status das frutas no cardápio cultural de alimentos.
Como resultado deste trabalho foram encaminhadas ações que perduram até hoje: ao final do diagnóstico foi formulado um plano de formação no sentido de desenvolver e disseminar inovações de manejo produtivo, de beneficiamento e comercialização das espécies frutíferas. Além disso, três grupos de agricultores-experimentadores do Pólo Sindical se motivaram a trabalhar com o tema: um associado à dinâmica de experimentação em saúde e alimentação, composto principalmente por mulheres que se interessaram em realizar encontros e cursos sobre beneficiamento e comercialização das frutas; outro associado ao Coletivo Municipal da Agricultura Familiar de Soledade que, assessorado pelo Programa de Aplicação de Tecnologias Apropriadas às Comunidades (PATAC), vem desenvolvendo e resgatando receitas culinárias, principalmente de cactáceas; e um terceiro dedicado à rearborização de propriedades. As agricultoras e agricultores envolvidos neste último grupo estruturaram viveiros comunitários e/ou individuais e passaram a resgatar sementes e a produzir e distribuir mudas de frutas nativas. Até uma peça teatral foi organizada e encenada pelo Grupo de Teatro do Pólo Sindical para sensibilizar novas famílias que não estavam engajadas neste tipo de trabalho.
Mesmo com estes avanços, ainda resta muito a ser feito. Se nestes anos foram levantados temas para serem aprofundados em pesquisas (como o processamento e conservação pós-colheita, além da avaliação das propriedades nutricionais), estudos pormenorizados de mercado e cadeias de comercialização ainda se fazem necessários para o desenvolvimento de práticas mais circunstanciadas de valorização econômica dessas espécies.
Partindo do diagnóstico local e passando por trocas de experiências entre agricultores de sua região e de outros estados, as ações realizadas permitiram que, de testemunhos da fome, as frutas nativas no agreste da Paraíba venham se transformando em iguarias na mesa das famílias agricultoras. Além de suprir carências nutricionais, esse trabalho mobilizou conhecimentos, experiências e, sobretudo, permitiu que agricultores e agricultoras experimentassem novas receitas de vida.