Compra institucional de Alimentos produzidos pela agricultura familiar


Para pensar essa construção de política pública, um ponto importante é a permanência de organizações vinculadas à agricultura familiar do município de Tangará da Serra, como o MST e o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), além das associações e cooperativas que desempenham funções políticas e organizativas.
Outro ponto importante foi a indicação para a Secretaria Municipal de Agricultura de uma pessoa com vínculos pessoais e políticos com a agricultura familiar e a luta pela terra, o que possibilitou abrir um espaço de diálogo importante para uma pauta estruturante das áreas de assentamentos e comunidades.
Entende-se que, para uma política de comercialização dar certo, é preciso interligá-la com ações que antecedem o ato de comercializar em si. Dessa forma, a estruturação de parcerias, como as feitas com a UNEMAT, Campus Tangará da Serra, e a EMPAER, foi importante para ajudar a estruturar um diagnóstico ampliado das demandas das famílias, pensando a reprodução social de forma ampliada. Importante destacar que a UNEMAT tem um histórico de trabalho com o Assentamento Antônio Conselheiro, iniciado com a implantação dos cursos de Agronomia e de Ciências Biológicas, que coincide com a implantação do assentamento. O destaque à atuação do assentamento se deve à sua organização: são mantidas 3 escolas em seu território, ofertando desde o ensino infantil até o ensino médio técnico e também educação de jovens e adultos (EJA), mas o processo escolar mantém uma articulação da comunidade em torno de pautas coletivas e fortalece o protagonismo, sendo a partir do assentamento que o MST se estrutura na articulação de outras áreas, como os acampamentos e demais assentamentos.
Um ponto forte para debater a experiência é a realização da feira do produtor que há na cidade e que foi uma conquista das/os agricultoras/es, que começaram a fazer feira nas ruas e, com o tempo, conquistaram um espaço estruturado e suporte, sendo que a feira é um espaço de diálogo com a sociedade, de divulgação dos frutos da reforma agrária e de articulação de resistências, como no caso das famílias ameaçadas de remoção pelos projetos de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).
Entre as dificuldades que foram aparecendo estão os projetos de PCHs que afetam tanto o Assentamento Antônio Conselheiro quanto a Gleba Triângulo e que, como outras obras, vêm envoltos no debate sobre progresso e desenvolvimento, fazendo uma disputa ideológica com o público urbano, mas também com a população das áreas impactadas.
Outro fator limitante é o avanço do agronegócio, que conta com expressiva força política local, estadual e nacional, em decorrência da “vocação agrícola” do estado. Assim, vão sendo criados empecilhos para a implementação dos projetos sociais e iniciativas agroecológicas. Outra dificuldade foi a constituição da base jurídica para a construção do texto da lei de tal modo que não gerasse contestação. Essas dificuldades foram se resolvendo aprofundando-se o diálogo entre as organizações do campo, entre essas e as organizações urbanas, principalmente sindicatos e partidos, e institucionalmente pelo envolvimento de outras secretarias municipais, como a Secretaria de Administração, a Secretaria de Saúde e a Secretaria de Meio Ambiente, mas também ampliando-se o leque de profissionais para pensar como foi a participação das/os nutricionistas vinculadas/os às escolas e aos hospitais. A lei que regulamenta a iniciativa prevê que, em toda demanda de alimentos vinculada à prefeitura, sejam adquiridos preferencialmente da agricultura familiar do município e da região, e só no caso de a agricultura familiar não dispor de algum produto, seriam realizadas as compras via atacados e demais setores do comércio. Hoje, a ação já está implementada na educação e na saúde, com perspectiva de ampliar para as ações de bem-estar social na atividade de atendimento às famílias hipossuficientes.

2. Antecedentes da experiência

2.1 Faça um resumo dos antecedentes da iniciativa.

O município de Tangará da Serra, com mais de cem mil habitantes, foi fundado no ano de 1976, sem contar a presença anterior de povos indígenas. No entanto, a ocupação de seu território data da primeira década do século XX, com as rotas construídas por Marechal Rondon na abertura das linhas de telégrafo de Mato Grosso para Rondônia.

Localizado no bioma Cerrado, é marcado pela Serra de Tapirapuã e pelo Chapadão dos Parecis, sendo um divisor de águas das bacias Amazônica e do Prata. Tem forte presença do agronegócio, com expressiva força política e econômica, principalmente na cultura de soja e na pecuária intensiva e extensiva.

Porém, apesar dessa presença, o agronegócio não apaga a importância da agricultura familiar camponesa, que também é bem marcante no município. Dentre os diversos assentamentos da reforma agrária, destaca-se o Assentamento Antônio Conselheiro, por ser um dos maiores do estado de Mato Grosso, com 999 lotes e mais de 1.050 famílias distribuídas em seus mais de 36 mil hectares, cortados por dois rios importantes (Sepotuba e Juba, que deságuam no Pantanal) e com diversas belezas naturais, como cachoeiras e quedas d’água, e históricas, como a casa do Marechal Rondon. Além do Antônio Conselheiro, há outros assentamentos e também comunidades tradicionais e povos indígenas (Parecis e Nambikwara), além da agricultura periurbana como um importante espaço de geração de trabalho e renda para as famílias do município.

Assim, apesar da hegemonia do agronegócio, há espaço para a construção de forças políticas em defesa da agricultura familiar, e, desde a constituição do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e, posteriormente, com as demandas do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), iniciou-se um processo de articulação para que o município efetivasse a aquisição de produtos da agricultura familiar, além de um processo de organização da produção, formação de cooperativa, diversificação e qualificação, etc.

Na eleição municipal de 2012, foi formada uma coligação com uma gama ampliada de partidos que elegeu Fabio Martins Junqueira (MDB) como prefeito. Na organização dos cargos, a Secretaria de Agricultura ficou com o PT; a partir disso, foi possível abrir um diálogo sobre como desenvolver ações para fortalecer a agricultura familiar do município.

Para isso, foram organizados coletivos, envolvendo pessoas das comunidades e dos movimentos sociais, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), para conhecer algumas experiências construídas em outros municípios do estado — como Campo Verde, que tinha como secretário de agricultura um assentado. A partir dessas experiências, buscou-se consolidar a comercialização com a alimentação escolar, utilizando-se tanto o PAA quanto o PNAE. De início, houve diversas dificuldades, devido a questões sanitárias e burocráticas. Segundo uma liderança com quem dialogamos, “a maior parte dos camponeses tem dificuldade na burocracia dessa relação com o mercado”. Mas também havia algumas deficiências nas estruturas municipais e estaduais, cujas demandas direcionaram a construção das formas de resolução, a exemplo da disponibilização de serviço de inspeção sanitária, com a constituição do Sistema de Inspeção Municipal (SIM).

Em 2015, já atuando com o PAA, cuja compra beneficiava cerca de 123 famílias, abastecendo 60 entidades, inicia-se o processo de implementação do PNAE, a partir de um edital do Ministério da Educação disponibilizando o modelo, o qual, nos anos seguintes, foi sendo adequado à materialidade do município. Essa construção, além da Secretaria Municipal de Agricultura, envolveu também a participação da Secretaria Municipal de Educação, principalmente com a participação das nutricionistas, e a Secretaria Municipal de Administração.

No ano de 2016, por meio do Decreto n. 283, de 01 de agosto de 2016, foi instituído o Programa de Desenvolvimento da Agricultura Familiar (PRODEAF), com fornecimento de serviços, materiais, implementos agrícolas, insumos e acompanhamento técnico para as comunidades e assentamentos do município. Esse programa fortaleceu o processo de organização da produção. A construção dessas ações se desenvolveu com apoio e parceria da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Campus Tangará da Serra, e da Empresa Mato-Grossense de Pesquisa e Extensão Rural (EMPAER).

A partir da experiência com o PNAE, verificou-se a possibilidade de ampliar o processo de comercialização institucional a partir de uma ação municipal envolvendo outras demandas, como as da Secretaria de Saúde. Assim, foi realizada essa articulação para prover os hospitais e demais espaços vinculados à Secretaria de Saúde com alimentos provenientes da agricultura familiar, o que foi viabilizado por meio da Lei n. 4.951, de 30 de abril de 2018, que dispõe sobre a aquisição de alimentos produzidos pela agricultura familiar no âmbito do município de Tangará da Serra.

Para a realização das chamadas públicas, constituiu-se um processo organizativo no qual as organizações das/os agricultoras/es familiares são consultadas sobre a disponibilidade de produtos e temporalidades, e depois é realizada a chamada com participação dos diversos assentamentos e comunidades. Ainda não se conseguiu garantir a participação dos povos indígenas na oferta de alimentos, e por enquanto os indígenas participam apenas como público atendido.

Para dinamizar a logística do PNAE, a Secretaria Municipal de Educação articulou junto com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente uma estrutura para receber os produtos que chegam dos assentamentos, e depois a Secretaria Municipal de Educação assume a distribuição para as escolas. Importante destacar que toda a construção, desde as visitas a outras experiências até a implementação das ações, passou pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável.

Na construção do decreto do PRODEAF houve a presença efetiva das cooperativas e associações que atuam no município, desde a concepção do programa até a estruturação do texto legal. Vale ressaltar que o município tem uma Feira do Produtor com expressiva significância na cidade, e que isso foi criando caldo popular para o diálogo sobre a proposta de lei.

3. Participação social e política na experiência

3.3 Como se deu a participação das diferentes organizações da sociedade civil (grupos, coletivos, movimentos sociais e outros) na iniciativa?

De acordo com o ex-secretário de agricultura, a participação das diferentes organizações se deu em todos os espaços de construção e implementação da lei, pois desde os primeiros esboços do plano, passando pelo decreto de 2016 e pela lei de 2018, este foi construído por meio de diálogos com as organizações, tanto em reuniões de cunho mais político ou mais técnicas e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável.

Por mais que haja uma conformação de quais organizações fazem quais ações, não há efetivamente uma divisão clara nesse campo, sendo que em alguns casos há sujeitos que atuam em diversas frentes. Mas, em linhas gerais, pode-se dizer que a cooperativa teve uma ação mais efetiva na organização das famílias para cumprir as exigências legais da comercialização e para a organização da produção. Além das três organizações descritas, há outras associações, sindicatos de trabalhadores de setores urbanos e a própria organização da feira, que foram de grande importância para essa ação.

Ressalta-se também os coletivos de professoras/es e de estudantes vinculados à UNEMAT, que potencializaram o debate construindo seminários, workshops, feiras, além de desenvolverem pesquisas e diagnósticos que foram fundamentais no processo.

3.5 Em que âmbito se deu a participação da sociedade civil?

  • Na redação/elaboração de políticas públicas
  • Conselho municipal
  • Na articulação com atores políticos (advocacy)
  • Reunião com técnicas/os de órgãos públicos

3.6 Dentre as pessoas que protagonizaram essa iniciativa, marque o gênero com maior participação:Homens

3.7 Dentre as pessoas que protagonizaram essa iniciativa, assinale o grupo racial com maior participação:Não é possível aferir

3.8 Dentre as pessoas protagonistas, marque o grupo de faixa etária com maior participação:30 - 59 anos

3.10 Como pode ser qualificado o processo de participação da sociedade civil na iniciativa?Efetiva (participação substantiva em algumas partes do processo)

3.13 Quais os resultados, aprendizados e desafios da iniciativa?

A iniciativa amplia a comercialização, contribui para o processo de organização da produção e para a sua diversificação, permitindo responder por grande parte da demanda apresentada. Mostra também a necessidade de permanência de outros canais já conquistados, como a feira do produtor.

Entre os desafios, cita-se a necessidade de assistência técnica comprometida com o desenvolvimento integral dos territórios, que considere as questões de gênero e de geração e que consiga integrar os vários espaços organizativos, sejam os públicos (como as escolas e as unidades básicas de saúde) ou os privados (como cooperativas e associações).

A comunidade tem o desafio de continuar resistindo ao hidronegócio, garantindo que os territórios conquistados sigam cumprindo sua função social de produção de alimentos, preservando as áreas de preservação permanente (APPs) e as áreas de reserva legal (RLs) dos territórios, recuperando as áreas degradadas, fazendo a transição para a agroecologia, aprofundando o debate sobre os territórios livres de agrotóxicos e de transgênicos e superando outras formas de violências, além de valorizar uma maior participação das mulheres nos espaços de decisão dos instrumentos organizativos.

NomeSindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Tangará da Serra

Qual o papel da organização na iniciativa?

  • Mediadora entre sociedade civil e poder público
  • Facilitadora do processo participativo
  • Apoiadora

NomeCooperativa dos Produtores da Agricultura Familiar de Tangará da Serra e Região

Qual o papel da organização na iniciativa?

  • Facilitadora do processo participativo
  • Participante
  • Apoiadora

NomeMovimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Qual o papel da organização na iniciativa?

  • Mediadora entre sociedade civil e poder público
  • Facilitadora do processo participativo
  • Participante
  • Apoiadora

4. Institucionalidade do processo

4.1 Quais esferas públicas estiveram associadas?Executivo

4.2 A experiência se deu de forma suprapartidária? Sim

4.3 A experiência se deu de forma intersecretarial/intersetorial? Sim

4.4 Houve envolvimento de conselhos municipais?Sim

Quais conselhos municipais foram envolvidos? Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural

4.5 A experiência resultou em alguma institucionalização?Lei

Indique qual o nome e/ou número da norma ou instrumento de política pública.Lei 4951 de 30 de abril de 2018

Qual o estado atual da norma ou instrumento de política pública?Vigente (existe e possui estrutura pública para sua operação, mas seu orçamento é incerto)

Há orçamento para execução da política pública?Sim

4.6 A experiência está relacionada a outras políticas públicas municipais?Sim

Apresente outras políticas municipais com a qual a experiência está relacionada.

Decreto nº 283 de 01 de agosto de 2016 PRODEAF – Programa de Desenvolvimento da Agricultura Familiar. Este decreto de fomento a produção, institui a Patrulha mecanizada para apoio a produção, e também propoem logística de transporte para as entregas 

4.7 A experiência está relacionada a alguma política pública estadual?Não

4.8 A experiência está relacionada a alguma política pública federal?Sim

Quais políticas federais?

  • Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)
  • Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)

Anexos