Campanha Hortas e Aldeias


Em 2018 e 2019, realizamos um projeto em parceria com a tekoa Guyrapaju. A aproximação inicial entre as comunidades indígenas, o grupo de estudos e o coletivo se deu através da demanda de uma liderança indígena feminina da tekoa Guyrapaju à coordenadora pedagógica do NEA-UFABC num momento de sororidade entre ambas na primeira visita do NEA-UFABC à tekoa Guyrapaju, em 2017, após uma reunião técnica sobre outro assunto.
Este momento, onde compartilharam ideias sobre maternidades, naturezas e o presente e futuro de mulheres, jovens e crianças, revelou que as lideranças indígenas buscavam aproximação com a universidade, preocupando-se com acesso das e dos jovens ao ensino superior e com a degradação socioambiental da região, ameaçando o equilíbrio da vida, como um todo, e impactando diretamente a saúde e o modo de vida Guarani. Também se interessavam em reforçar às/aos jovens as conexões e sobreposições entre seu modo de vida e os modos de vida fora da tekoa, e a importância de buscar diálogo e reivindicar engajamento de todos para o bem comum. Juntos organizamos oficinas interculturais, que aconteceram na tekoa e na universidade em 2019. CCRU-SOLO foi parceiro do projeto contribuindo com parte da logística de alimentos agroecológicos, das agricultoras quilombolas da RAMA, para os almoços que acompanharam as oficinas realizadas na tekoa.
Quando a pandemia começou, nossas amigas e amigos guarani estavam no início da construção de uma nova Opy. Recebemos palavras de esperança: “Também estamos em segurança, já estamos orientados a permanecer na aldeia até isso tudo passar. Todas as noites nos reunimos na Opy e rezamos pela saúde de todos. Nhanderu vai cuidar de todos nós.” Usando seus saberes de bioconstrução aliados a técnicas convencionais, construíram uma linda Opy nova, fazendo deste um momento de fortalecimento e união da comunidade para enfrentarem o que estava por vir. Mas não escondiam a justificada preocupação das lideranças com a segurança alimentar e sanitária nas tekoas.
No NEA-UFABC já sentíamos o impacto da finalização de recursos e o adiamento de várias reuniões visando continuidade de articulações voltadas à busca de recursos públicos, privados e do terceiro setor para continuidade das atividades do núcleo. Um núcleo de estudos em agroecologia tem exatamente a função de se tornar um articulador entre setores sociais, interlocutores e saberes pelo desenvolvimento e capilarização da Agroecologia nos territórios. Em nossas redes de atuação já dialogávamos sobre o impacto sobre a segurança alimentar dos mais vulneráveis e mobilização das associações e organizações dedicadas à Agroecologia pela vigilância política para exigir medidas públicas de enfrentamento e por ações de solidariedade para combater a vulnerabilização dos agricultores e fazer chegar comida de verdade aos mais vulnerabilizados. Para os povos indígenas na Região Metropolitana de SP, iniciavam-se as primeiras articulações contra a insegurança alimentar, mas sem nada ou pouca alimentação saudável incluída. No CCRU-SOLO e CCRU-Diadema, já sentíamos o impacto das necessárias medidas de segurança sanitária sobre a logística para distribuição de cestas agroecológicas e acompanhávamos os impactos sentidos pelas produtoras e produtores agroecológicas.
Partiu das mulheres dos nossos grupos, a iniciativa de articular uma ação regional na qual todas, todos e todes podem somar saberes para agir e transformar. Unimos a capacidade de interlocução do NEA-UFABC, a competência logística dos CCRUs e a força produtiva do Coletivo Raiz Verde, do Assentamento Ipanema (Iperó - SP) para desenhar, em diálogo com as lideranças indígenas, uma campanha solidária para combater a insegurança alimentar nas comunidades com cestas agroecológicas. Para minimizar os custos, conseguiríamos entregar 100 cestas de 7 kg cada, a cada entrega. Quantidade exata para atender as tekoa Guyrapaju, Brilho do Sol e Krukutu, conforme as próprias lideranças indígenas verificaram. Lançamos a campanha em 09 de maio de 2020, já fazendo uma primeira entrega, antes de iniciar a arrecadação, graças às relações de confiança estabelecidas entre CCRUs, Coletivo Raiz Verde, NEA-UFABC e lideranças indígenas.
A Campanha Hortas e Aldeias é um modo de manifestar nosso inconformismo diante do descaso a direitos fundamentais, mas, também, nossa esperança, vontade de agir e compartilhar essa inquietação por dias melhores a todas e todos. Sobretudo, é nossa forma de expressar gratidão e solidariedade aos povos indígenas e aos agricultores familiares. Povos que compartilham tantas similaridades em sua relação sagrada com a terra, com os alimentos e todos os seres. Saberes tão preciosos aos nossos dias! Povos que seguem resistindo às injustiças históricas ligadas à ganância pela terra, que neste momento se acentuam ainda mais.
Nas terras indígenas, as principais fontes de renda da maioria das aldeias tornaram-se inviáveis: venda de artesanato dentro e fora das aldeias, turismo de base comunitária, entre outros. O recebimento de auxílios emergenciais, até o momento, não tem sido eficiente e não é suficiente para enfrentar a insegurança alimentar e nutricional a que estão expostos. É bom esclarecer que a proximidade a grandes centros urbanos, como é o caso da maioria das terras indígenas no estado de SP, ameaça a biodiversidade e a segurança hídrica e alimentar nos territórios indígenas, impactando profundamente seu modo de vida, inviabilizando que vivam diretamente da terra. Muitos precisam trabalhar fora das aldeias para o sustento das famílias e, neste momento, perderam suas fontes de renda, sem nenhum direito assegurado.
No campo e nas cidades, os agricultores familiares sofreram grande impacto sobre a venda dos alimentos que produzem, com o fechamento de feiras e outros mercados alternativos e restaurantes. As políticas emergenciais que visam tentar garantir fluxo da produção neste momento, não são suficientes para assegurar a permanência do escoamento.
Em maio, junho, julho e agosto entregamos duas toneladas e oitocentos quilos de alimentos agroecológicos! Cumprindo nossa meta mínima: uma entrega mensal de 100 cestas agroecológicas de 7 kg de alimento saudável, produzido em terra saudável, com água saudável, sem prejudicar nem explorar ninguém e nenhum ser vivo. A gente move esta campanha com a esperança de que um dia o Brasil inteiro produza alimentos assim: respeitando a vida.
As recentes medidas de flexibilização do isolamento social, tendem a agravar ainda mais a situação da covid-19 nas comunidades indígenas, com o aumento da circulação do vírus próximo aos territórios indígenas. Sentimos o impacto também sobre a arrecadação da campanha, desde o início de agosto. Submetemos projetos a editais, visando continuidade e ampliação da campanha: para garantir a permanência do combate à insegurança alimentar nas comunidades indígenas com as cestas agroecológicas e contribuir para a soberania alimentar na aquisição de ferramentas, mudas e sementes e, quando seguro, na organização de mutirões para incremento das hortas e roças das comunidades.

1. Identificação

Nome da organização que está registrando a experiênciaNEA-UFABC: Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica da Universidade Federal do ABC

2. Duração da experiência

Essa é uma experiência criada em resposta aos efeitos da crise sanitária decorrente da pandemia do Coronavírus (Covid-19)? Sim, é uma experiência nova

3. Identificação do tipo experiência

Esta experiência é/foi realizada no Brasil?Sim

Selecione o tipo de experiênciaAlimentação e nutrição

4. Sujeitos

Você considera que a experiência tem uma atuação em Rede? Sim

Sexo - indique o(s) grupo(s) que participa(m) dessa experiência

  • Masculino
  • Feminino

Se há um sexo com maior participação, indique Feminino

Cor ou raça - indique o(s) grupo(s) que participa(m) da experiênciaIndígena

Se há uma cor ou raça com maior participação, indiqueIndígena

Faixa etária - indique o(s) grupo(s) que participa(m) dessa experiência

  • De 15 a 29 anos
  • Acima de 60 anos
  • De 30 a 60 anos
  • Até 6 anos
  • De 7 a 14 anos

Quais outras/os?Por se tratar de campanha solidária, envolve a população, em geral, com enfoque urbano, na região metropolitana de SP. Ao arrecadar recursos solidariamente, também divulgamos motivações e informações sobre a temática tratada na Campanha Hortas e Aldeias.

6. Localização e abrangência espacial

Esta experiência está sendo cadastrada pelo celular (via aplicativo ODK Collect)? Não

7. Práticas em saúde e agroecologia

Práticas Agroalimentares (produção/beneficiamento/consumo)Outra

Qual outra?Acesso emergencial à alimentação adequada através de campanha solidária

Outras práticas não especificadas nas opções anteriores Economia solidária

Esta prática é considerada uma tecnologia social pelos protagonistas da experiência? Sim

O que estimula a adoção dessa(s) prática(s)?

  • Participação em redes de aprendizados e conhecimentos
  • Outro
  • Intercâmbio/vivência
  • Ancestralidade/trajetória de vida/memória afetiva

Qual outro estímulo à adoção desta prática?NEA-UFABC realizou projeto de diálogo intercultural com tekoa Guyrapaju em 2019, organizando conjunto de oficinas e participação em evento, relacionados à Agroecologia. No início de 2020, começávamos a formar grupo para atender às visitas guiadas às tekoas, organizadas pelas comunidades indígenas, quando a pandemia foi confirmada em SP. Do diálogo com a comunidade indígena, surgiu a proposta da campanha quando a pandemia começou e agravou a insegurança alimentar das comunidades indígenas, de um lado, e, do outro, impactou o escoamento da produção da agricultura familiar. Sem resposta eficiente das políticas públicas.

8. Políticas públicas

Caso a experiência tenha acessado uma ou mais políticas públicas brasileiras, indiqueNenhuma

9. Resistências e ameaças

Algo ameaça esta experiência?

  • Contaminação/poluição ambiental
  • Racismo
  • Outra

Qual outra?A atual onda de desinformação e tentativa de criminalização de movimentos sociais ligados à justiça socioambiental e aos direitos dos povos indígenas. A invisibilidade a que estão submetidos os povos indígenas em SP (e todo o Brasil). Aspectos mais sutis do racismo institucional, arraigados nas contradições do indigenismo paulista, resistente à propostas abertamente decoloniais, descentralizadas, autogeridas. Temos movimento indigenista há séculos, mas pouca abertura concreta ao movimento indígena.

Há conflito(s) ambiental(is) no(s) território(s) onde essa experiência acontece?Sim

Indique o(s) município(s) e respectiva(s) Unidade(s) Federativa(s) onde acontece o conflitoRegião ABCDMRR e sudeste capital, SP: expansão acelerada e desordenada da área urbana da região metropolitana de SP, proximidade da represa Billings, presença de ferrovia na TI

Grupo(s) social(is) atingido(s) pelo conflito ambiental

  • Moradores/as em periferias, ocupações ou favelas
  • Agricultor(a) familiar
  • Agricultor(a) urbana/o
  • Povos indígenas
  • Pescadoras/es artesanais

Atividade(s) geradora(s) do conflito

  • Agrotóxicos
  • Sobreposição com áreas protegidas (Unidades de Conservação)
  • Agroindústria/agronegócio
  • Petróleo e gás
  • Especulação imobiliária
  • Barragens e hidrelétricas
  • Hidrovias, rodovias, ferrovias, terminais portuários e aeroportos

Impactos Socioambientais da(s) atividade(s)

  • Poluição de recurso hídrico
  • Poluição do solo
  • Poluição sonora
  • Urbanização desordenada
  • Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas
  • Poluição atmosférica
  • Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território

Possíveis danos à saúde decorrentes da atividade e/ou do conflito

  • Contaminação ou intoxicação por agrotóxicos
  • Piora na qualidade de vida
  • Contaminação química
  • Insegurança alimentar e nutricional

A experiência aqui cadastrada está envolvida nesse(s) conflito(s) ambiental(is)? Sim, a experiência contribui para o enfrentamento do conflito

11. Estratégias de Comunicação e Anexos

Que tipo(s) de ferramenta(s) utiliza para divulgar a experiência e se comunicar com os envolvidos?

  • Site
  • Whatsapp/Telegram
  • Facebook/Messenger
  • Instagram
  • E-mail