2.1 Faça um resumo dos antecedentes da iniciativa.
Em Bom Jesus da Serra — município localizado na região do semiárido, no território Sudoeste Baiano, com população estimada em 10.000 habitantes, sendo cerca de 70% residente na zona rural —, as circunstâncias que mobilizaram a população para a incidência no âmbito da construção do Banco Comunitário de Sementes estão relacionadas com a necessidade de criar saídas para os desafios políticos e ambientais da região.
O município se caracteriza pela ausência ou pouca eficácia de políticas públicas de incentivo à agricultura familiar, como no caso do programa de distribuição de sementes do estado, o qual não atendia adequadamente às necessidades do município, pois as sementes chegavam posteriormente ao período de semeadura ou eram distribuídas variedades impróprias para o cultivo no clima semiárido.
Os desafios com relação às questões ambientais envolviam a instabilidade climática da região, ocasionando períodos de seca, o que muitas vezes acarretou perdas nas lavouras e, consequentemente, redução nos estoques das sementes.
Buscando enfrentar as questões políticas e ambientais associadas à realidade do município, o Centro de Convivência e Desenvolvimento Agroecológico do Sudoeste da Bahia (CEDASB) — entidade que atua desde 2006 nos territórios do Sudoeste Baiano, Médio Sudoeste, Médio Rio de Contas e Sertão Produtivo — vem desenvolvendo ações que apoiam a agricultura familiar por meio de projetos com foco na captação de água da chuva, assistência técnica e extensão rural, além do resgate e armazenamento de sementes crioulas.
Desde a sua formação, o CEDASB está integrado à Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA). E foi a partir de um intercâmbio de experiências realizado por meio de projetos vinculados à ASA que, em 2012, a agricultora Jessi conheceu um banco de sementes em Minas Gerais. Ela se encantou e levou a ideia para a associação da sua comunidade em Bom Jesus de Cima, localizada no município de Bom Jesus da Serra.
“No intercâmbio falaram assim ‘nós vamos visitar um banco de sementes’. Mas eu pensei ‘um banco de sementes! Como será que é?’. Lá eu vi as sementes todas divididas, organizadas, daí quando eu voltei já fui na associação e contei pro pessoal, ele [Francisco] se interessou, ficou dando atenção ao que eu estava falando”, conta dona Jessi.
A pessoa a que dona Jessi se refere é o seu Francisco, seu sogro e um dos agricultores da comunidade, que cuida de sua terra junto com a sua esposa, dona Maria de Lourdes. Seu Tico, como é mais conhecido, logo se interessou pela novidade levada por dona Jessi, pois ele já cultivava o hábito de guardar sementes crioulas. Porém, até então, o fazia de forma improvisada, armazenando-as em sacolas em um quartinho no fundo da sua casa.
“Desde quando eu comecei a trabalhar na roça que eu guardo sementes. Tem tempo já, comecei quando eu era solteiro, mas não tinha essas ideias de juntar as garrafas, eu só guardava, colocava num saco e com poucos dias apurava”, conta seu Tico.
A partir do estímulo levado por dona Jessi, seu Tico construiu por conta própria um cômodo na sua casa, instalou prateleiras e passou a guardar de forma organizada e adequada tanto as suas sementes como também as sementes de outras famílias agricultoras da comunidade.
“A vizinhança toda traz sementes pra eu guardar, e aí fico responsável de cuidar, guardar. E, aí, é só precisar que vem aqui e busca. Eu anoto quem traz pra eu guardar, fica tudo arrumadinho”, conta seu Tico.
A experiência do intercâmbio protagonizada por dona Jessi e pelo seu Tico marca o nascimento dos Bancos Comunitários de Sementes nas comunidades do município de Bom Jesus da Serra. O cômodo construído por seu Tico é um exemplo de iniciativa própria para a conservação das sementes crioulas e, ainda que apresentando algumas limitações estruturais, foi uma prática importante que deu visibilidade à aptidão da comunidade para receber um Banco de Sementes com maior estrutura e capacidade de estocagem.
Com isso, o fortalecimento da prática do cuidado, armazenamento e partilha das sementes crioulas na região seguiu sua trajetória e se consolidou por meio da parceria entre o CEDASB e a ASA, a partir da execução do projeto que atendeu à chamada pública do Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Manejo da Agrobiodiversidade – Sementes do Semiárido, entre 2015 e 2016, coordenado pela ASA com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do extinto Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).
Por meio da implementação do Programa, foi construído um Banco Comunitário de Sementes com ambientes estruturados para o armazenamento e manejo dos grãos — com bombonas, armários, balanças — e, também, para a realização de encontros e reuniões — com cozinha, banheiros, mesas e cadeiras. O Programa Sementes do Semiárido também promoveu formações junto às comunidades do município com foco no contexto histórico, técnico e político envolvendo a temática das sementes crioulas. Os encontros para formação com as famílias agricultoras se realizavam no próprio banco de sementes e, também, nas associações, quintais, igrejas ou, até mesmo, na sombra do umbuzeiro, árvore tradicional da região do semiárido. A metodologia dos encontros baseava-se na comunicação popular, buscando fortalecer a cultura, a identidade e as memórias ancestrais das agricultoras e agricultores.
Além dos encontros de formação nas comunidades, também foram realizados encontros mais amplos, em escala municipal, estadual e territorial. Nesses encontros foram debatidos temas como: o oligopólio das sementes e como enfrentá-lo, legislação de sementes, transgenia e a importância da política de estoque das sementes.
A iniciativa da implementação do banco comunitário de sementes em Bom Jesus da Serra foi inédita no município e se tornou uma referência, pois, mais uma vez, demonstrou o potencial de cocriação e organização existente nos territórios do semiárido, além de evidenciar os resultados construtivos da prática do intercâmbio de saberes entre as comunidades tradicionais do campo brasileiro.
Referências:
Entrevista com Climério Vale da Silva, em 11 jun. 2021.
Boletim Informativo do Programa Uma Terra Duas Águas, O Candeeiro, n. 1.339, nov. 2013.
Censo IBGE 2010.