A Cooperativa Grande Sertão

O bioma Cerrado, um dos mais biodiversos do planeta, também oferece às suas populações uma grande variedade de produtos que podem ser importantes aliados na promoção de meios de vida sustentáveis, onde a geração de renda e a qualidade de vida estejam em consonância com a conservação dos recursos naturais. Com base nesse ideal, a Cooperativa dos Agricultores Familiares Agroextrativistas Grande Sertão Ltda. pode ser considerada uma das experiências mais significativas de organização e comercialização da atividade extrativa no Brasil, contando com expressiva escala produtiva, grande diversidade de espécies utilizadas e geração de renda considerável às comunidades envolvidas. Tudo começou com o apoio do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM). O Centro foi fundado em 1987 por agricultores familiares, organizações sociais, lideranças locais e técnicos unidos em torno da preocupação com o modelo agrícola predatório que avançava sobre a natureza e a cultura norte-mineira. Desde sua criação, o CAA-NM vem atuando a favor de propostas de desenvolvimento que favoreçam os agricultores familiares e valorizem as práticas agroecológicas e os ecossistemas nativos. Em 1995, começou a ser construída, pelo CAA-NM, a fábrica de polpas que iniciaria o beneficiamento das frutas dos camponeses da região, como parte do processo de “busca de alternativas inovadoras para a geração de renda e o fortalecimento da economia local” e, em 1997, teve início a produção de polpas de frutas integrais congeladas, ainda de maneira informal. A história da Grande Sertão pode ser divida em três fases: a experimental, na qual ocorreram a articulação dos agricultores, a apropriação da tecnologia de beneficiamento de frutas e o início da comercialização; a segunda, de aperfeiçoamento tecnológico, organizativo e comercial; e, finalmente, a de consolidação e sustentabilidade, marcada pela fundação, em 2003, da Cooperativa propriamente dita. As atividades que culminaram na fundação e no desenvolvimento da Cooperativa Grande Sertão têm origem em trabalhos que, desde o princípio, estiveram intimamente ligados aos trabalhadores rurais do Norte de Minas, em sua grande maioria, representantes das populações tradicionais locais – Geraizeiros, Caatingueiros, Quilombolas, Vazanteiros e indígenas Xacriabás. Assim como estas populações desenvolveram agroecossistemas vinculados e harmônicos com os ambientes que as cercavam, a Grande Sertão vem trabalhando com a biodiversidade nativa e com cultivos ecológicos, contribuindo para reforçar os laços territoriais e culturais históricos da sociedade Norte-Mineira. Inicialmente, a Grande Sertão trabalhou na busca pelo acesso aos mercados varejistas (lanchonetes, padarias, pequenos mercados), conquistando uma clientela significativa neste setor. Também se inseriu no chamado mercado institucional – escolas, creches, hospitais, asilos etc. – via negociação direta com as prefeituras. Em 2004, a Grande Sertão fechou seu primeiro contrato com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Este Programa permite que as prefeituras adquiram alimentos diretamente dos agricultores familiares de seus municípios, com recursos da União. Estes alimentos adquiridos são então repassados ao mercado institucional local. Com a demanda advinda do contrato com a Conab, foi-se possibilitando um crescimento de 300% no volume de produção e vendas de polpas de frutas da Grande Sertão. Estima-se que, nas duas safras recentes, cerca de 85% de toda a produção da Cooperativa tenham sido destinados a atender tal demanda. Só no ano de 2005, foram fornecidas pouco mais de 93 toneladas de polpas de frutas ao mercado institucional de municípios do Norte de Minas via PAA. Além do PAA estar beneficiando diretamente os trabalhadores agroextrativistas que fornecem seus produtos à Grande Sertão, destaca-se que a inserção da produção local na merenda escolar é estratégica do ponto de vista cultural e territorial, pois permite que os filhos dos extrativistas consumam o suco oriundo da produção familiar, reforçando laços nas famílias e nas comunidades e transmitindo a valorização da biodiversidade nativa para as futuras gerações de trabalhadores. Atualmente, a Cooperativa atua em 21 municípios, englobando 148 comunidades e 1.556 famílias, contando com 41 cooperados. O empreendimento Grande Sertão vem demonstrando que o uso sustentável da biodiversidade do Cerrado pode efetivamente contribuir para solucionar três das principais questões ambientais atualmente em debate: a perda da biodiversidade, os impactos sobre os recursos hídricos e o lançamento de carbono na atmosfera. Ademais, gera benefícios sociais e renda distribuídos a um número significativo de famílias e comunidades pobres da região em que atua, demonstrando a aliança possível e necessária entre desenvolvimento social e econômico e a sustentabilidade ambiental. O empreendimento se baseia na economia da agricultura familiar da região e, portanto, valoriza a cultura tradicional Geraizeira, além de promover o fortalecimento dos laços territoriais no Norte de Minas. Foi evidenciado que a viabilidade de empreendimentos como este e a geração dos benefícios supracitados requerem organização social e apoios de outras organizações, sejam elas entidades de assessoria, órgãos públicos ou da cooperação internacional. Foram apontadas também algumas limitações do empreendimento em seu trabalho com os produtos extrativos do Cerrado, e ações no sentido de superá-las são viáveis e têm sido encampadas pela Grande Sertão e pelo CAA-NM. Não se pretende aqui argumentar que somente o extrativismo pode, sozinho, “salvar” o que resta de Cerrado, mas sim que ele se constitua em uma atividade estratégica para a conservação do bioma e a geração de renda e segurança alimentar em sua região de abrangência. A complexa inserção de agricultores extrativistas em empreendimentos economicamente viáveis, com substantivo apoio técnico e organizacional, possibilita o aproveitamento dos frutos nativos em maior escala e a abertura de mercados para estes produtos. A partir daí, é importante que a geração de renda de forma amplamente distribuída seja acompanhada da preocupação com a sustentabilidade ambiental da atividade. Dessa forma, pode-se concretizar alternativas econômicas que valorizam as culturas e a biodiversidade do Cerrado, assim como vem buscando a Cooperativa Grande Sertão.