A integração da criação animal com cultivos em assentamentos rurais no semiárido brasileiro
A integração entre a pecuária e a agricultura faz parte da história dos sistemas de produção nos sertões do Nordeste brasileiro. Durante a ocupação do semiárido, as grandes fazendas de criação de gado predominaram na paisagem regional, tendo a bovinocultura como principal atividade. Os moradores/trabalhadores tinham permissão de cultivar pequenos roçados, desde que os restos culturais fossem destinados à alimentação dos animais dos patrões. Posteriormente, o cultivo do algodão começou a figurar como atividade econômica importante na região. Desde então, a integração passou a se fundamentar no trinômio roçado-gado-algodão, com a massa verde do algodoal sendo destinada ao pastoreio dos animais após a colheita das plumas.
Algumas outras famílias, em áreas bem menores, para sobreviver adotaram como estratégia central a diversificação das espécies animais e vegetais e estabeleceram fortes laços de dependência entre as criações e os roçados.
Porém, à partir da segunda metade do século XX, como resultado do processo de luta e ocupação de terras improdutivas, a estrutura fundiária na região começou a ser alterada com o surgimento de assentamentos rurais, estes implantadas em antigas fazendas com infraestruturas incompatíveis àquelas estratégias de integração citadas. Para agravar a situação, as linhas de financiamento acessadas pelos assentados, pelos próprios parâmetros definidos pelas instituições bancárias, acabam por induzir a aquisição de insumos e equipamentos pouco adaptados às necessidades dos assentados.
Mas no município de Patos (PB), algumas experiências vêm apresentado caminhos concretos ao desfio de viabilizar a agricultura familiar em assentamentos rurais. É o caso do Assentamento Parativa do Assaré.
Em seu lote de 22 hectares, dona Socorro e seu Jorge investiram na diversificação, constituindo oito subsistemas que garantem boa variedade de produtos, tanto para sua própria alimentação quanto para o comércio. Essa diversidade produtiva tem impacto marcante na segurança alimentar e nutricional da família.
A agricultura de roçado realizada no primeiro semestre do ano (período das chuvas) produz variados gêneros alimentícios, principalmente grãos. Já a vazante assegura os mesmos gêneros no segundo semestre (período das secas). A criação animal, de qualquer que seja a espécie, mantém uma produção relativamente estável ao longo do ano.
A estabilização da produção vegetal e animal garante a alimentação da família e diminui a necessidade da compra de comida no mercado. Os produtos originados dos animais fornecem principalmente proteínas (carne, leite, ovos), enquanto os do roçado e da vazante provêem carboidratos na forma de grãos e batatas. Os cultivos do arredor de casa complementam a nutrição, com as frutas e hortaliças ricas em minerais e vitaminas.
Uma parte da produção é comercializada in natura (coentro, alface, abóbora, batata-doce, leite, ovos, mel) e outra é beneficiada (doce de leite e de frutas, geleia real). A comercialização ocorre por duas vias principais: a feira da agricultura familiar, realizada no município de Patos, e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), executado pelo governo municipal em parceira com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Essas duas opções de venda têm permitido à família alcançar preços mais justos por suas produções.
A diversificação permite também que os resíduos de um subsistema sejam aproveitados como insumos em outros. A agricultura, de roçado e de vazante, fornece grãos para a alimentação das criações do arredor de casa. Produz ainda palhadas que são utilizadas como alimento dos ovinos, bovinos e da cabra. No período da colheita da batata-doce, as ramas servem para alimentar os porcos, as galinhas e as ovelhas.
Já o esterco dos ovinos é destinado à fertilização dos solos do arredor de casa, enquanto a criação de galinhas no pomar também resulta em uma interação positiva que promove eficiente reciclagem de nutrientes. Goiabas e mamões que amadurecem e caem servem de alimento para as galinhas.
Além dos benefícios ecológicos e agrícolas, estes reaproveitamentos reduzem os custos da produção e a dependência de insumos externos.
O exemplo do assentamento Patativa do Assaré demonstra que a reforma agrária no semiárido deve ser concebida como uma política de desenvolvimento que integra as dimensões econômica, social e ambiental. Hoje, aproximadamente 300 pessoas de 60 famílias vivem e produzem no assentamento, em uma área que anteriormente era ocupada por apenas algumas famílias que prestavam serviço a um único proprietário.
A experiência revela também que a constituição de unidades sustentáveis de produção de base familiar em assentamentos rurais requer, obrigatoriamente, a valorização das estratégias tradicionais, associadas a processos sociais de inovação para geração de riquezas em benefício do desenvolvimento local e regional.
O agroecossistema que vem sendo desenvolvido pela família de dona Socorro e seu Jorge se encontra em um processo bastante avançado de transição agroecológica, uma vez que valoriza a biodiversidade, não utiliza insumos químicos e viabiliza a participação de todos os membros da família no processo produtivo.
Diante desse contexto, é preciso reforçar que os financiamentos oficiais devem considerar os agroecossistemas como um todo, partindo das vivências de agricultores experimentadores, das experiências exitosas, dos recursos naturais disponíveis e das condições técnicas e organizativas das unidades familiares.