A pamonhada na casa de Dona Nenê
Encenado pelo Grupo de Teatro do Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema, uma articulação de organizações de agricultores e agricultoras (entre sindicatos, associações, pastorais e grupos informais) de 16 municípios do Agreste da Paraíba, a Pamonhada na Casa de Dona Nenê é uma das peças que buscam favorecer a construção social do conceito de segurança alimentar, estabelecendo vínculo com a realidade local vivenciada pela agricultura.
A peça retrata a vida e a experiência de um conjunto de mais de 4 mil famílias reais moradoras do agreste paraibano que, por meio da participação ativa em dinâmicas sociais de inovação agroecológica, transformaram sua forma de viver, plantar e conviver com o semiárido. Barragens subterrâneas para conservar a água no solo e viabilizar os roçados, cisternas para captar água da chuva para usar em casa e regar as hortas não tendo que caminhar quilômetros e trazer água turva no balde são exemplos de qualidade de vida e melhoria da segurança alimentar da família de Dona Nenê, onde a pamonhada simboliza a fartura, a felicidade e a sociabilidade, em contraste com as muitas famílias que ainda vivem em uma situação extrema de insegurança alimentar.
Assim como Dona Nenê, muitas são as famílias que participam do programa de inovação agroecológica conduzido pelo Pólo Sindical da Borborema e assessorado pela AS-PTA, construindo e socializando experiências que promovem maior segurança alimentar às famílias, pois aumentam a quantidade e a diversidade de alimentos produzidos nas propriedades e proporcionam maior resistência à seca garantindo a estabilidade da produção. Estas práticas também tornam as famílias mais autônomas, já que se baseiam em recursos naturais e em conhecimentos dominados pela população local. Trata-se de dinâmicas chamadas “de agricultor para agricultor”, que vêm estruturando Redes Locais de agricultores-experimentadores, vinculando a teoria e a prática das novas técnicas.
Estas experiências, entretanto, não ficam somente entre esses agricultores: o Pólo e a Articulação do Semiárido Paraibano (ASA-PB) têm atuado intensivamente no sentido de formular, defender e implementar políticas públicas voltadas para a promoção da agroecologia e da segurança alimentar.
Este é o caso das experiências de captação da água das chuvas, que vêm sendo feitas em centenas de propriedades e comunidades através de métodos simples, baratos e de comprovada eficiência técnica. Elas demonstraram a importância da descentralização das estruturas tradicionais de abastecimento para a segurança alimentar e hídrica das populações do meio rural paraibano. Através dos fundos rotativos solidários geridos pelas próprias comunidades, o Pólo construiu uma rede de mais de 200 fundos que já viabilizou a construção de milhares cisternas domésticas, garantindo fácil acesso à água de boa qualidade às famílias beneficiadas. Como resultado, as cisternas foram incorporadas às políticas públicas levando à configuração do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), do qual o Pólo Sindical e as Organizações de Agricultores Familiares da Borborema fazem parte. Esse programa, que é gerido pela Articulação do Semiárido Brasileiro com recursos do governo federal, vem demonstrando a capacidade da sociedade civil de formular, negociar e executar políticas de grande alcance de forma a descentralizar a oferta hídrica à partir da mobilização comunitária.
Outro exemplo é a Rede Estadual de Bancos de Sementes da Articulação do Semiárido Paraibano, da qual o Pólo faz parte e que tem conquistado avanços políticos. Desde 1998, a Rede vem estabelecendo convênios com o governo do estado da Paraíba para abastecimento dos bancos com sementes de variedades locais e, a partir de 2004, em parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), as sementes de variedades locais começaram a ser compradas dos próprios agricultores e plantadas pelos sócios dos Bancos. Este é outro exemplo da capacidade das organizações da sociedade civil de formular e implementar soluções técnicas e sócio-organizativas para enfrentar os problemas vivenciados pela agricultura familiar do semiárido. Por meio desses bancos, as famílias sócias têm garantido sementes de qualidade e na hora certa para o plantio, livrando-se dos riscos da insegurança alimentar em razão da perda do ano agrícola. Os bancos e os estoques familiares funcionam também como guardiões estratégicos das variedades adaptadas, conhecidas como as sementes da paixão: conservá-las é um importante serviço que a agricultura familiar está prestando para a segurança alimentar da sociedade de modo geral e para a autonomia tecnológica de nossa agricultura.
Desta forma, o Pólo vem realizando eventos, contando com a participação de lideranças sindicais e comunitárias, para colocar as experiências acumuladas a serviço da construção coletiva dos conceitos de segurança e de soberania alimentar, assim como para a elaboração de propostas e orientações de políticas públicas voltadas para a superação das condições estruturais que perpetuam o quadro de insegurança alimentar vigente.
Esse processo educativo e coletivo, conduzido pelas próprias organizações de agricultores e agricultoras vinculadas ao Pólo, vem demonstrando que as formas de enfrentar estruturalmente a insegurança alimentar não podem se limitar a alterações nos padrões técnicos de produção, mas sim, e fundamentalmente, apostar no aumento da capacidade dos indivíduos intervirem sobre sua própria realidade, ou seja, no aumento dos graus de autodeterminação.