Aproximações entre as roças caiçaras e a agroecologia - Projeto de Extensão Raízes e Frutos
A experiência veio da interação entre o Projeto de Extensão da UFRJ, "Raízes e Frutos” e as comunidades tradicionais da região de Paraty. Está localizada na comunidade tradicional caiçara do Pouso da Cajaíba, na península Juatinga, ao extremo sul do município de Paraty. A área corresponde a uma sobreposição de 2 Unidades de Conservação, a APA Cairuçú e a Reserva Ecológica da Juatinga, estando esta última em processo de recategorização. Pode-se dizer que a criação dessas UC’s intensificou um processo de mudança no uso e posse da terra, de forma que diversas atividades, com destaque para a agricultura e o extrativismo, tiveram que se adequar á nova legislação ambiental imposta.
Durante o período colonial, as atividades de produção para subsistência e consumo familiar eram reguladas de acordo com os interstícios dos ciclos econômicos. Assim, de acordo com a decadência ou prosperidade desses ciclos, ou seja, maior ou menor exportação, havia uma maior ou menor relação e troca entre esses núcleos caiçaras da península Juatinga e as cidades portuárias próximas como Ubatuba e Paraty. As escarpas da serra do mar proporcionam um considerável isolamento geográfico desta península, de forma que o acesso mais rápido é feito à barco, durando aproximadamente 1h e 30m.Tradicionalmente, devido também a esse isolamento geográfico, as roças caiçaras de subsistência eram extremamente biodiversas. De acordo com a D. Margareti, a roça dos seus pais e avós “tinha mandioca, milho, feijão preto, feijão de fava, jerimum, batata doce, cana, café, banana, laranja, melancia, manga, abacate e um monte mais de fruta. Da cidade só trazia o querosene e o sal”.
De herança indígena, predominantemente se praticava na região a agricultura itinerante e a coivara, alternando os ciclos de pousio e cultivo. Entretanto, as recentes mudanças no uso e posse da terra veio a desestruturar esses sistemas agrícolas na região, principalmente através da repressão pelos órgãos ambientais como IEF e IBAMA, promovendo em alguns casos a expulsão da terra pela pressão e multas. O incremento do turismo como principal atividade econômica em detrimento das atividades agrícolas e extrativistas (agricultura e pesca), pela maior comodidade em obter produtos alimentares oriundos da cidade a partir da renda gerada pelo turismo; como também a venda de terras para pessoas de fora e a pressão de grileiros em construírem casas de veraneio e outros empreendimentos turísticos também veio a colaborar para desestruturar os sistemas agrícolas tradicionais da região.
Assim, foi diante de um levantamento e identificação das roças locais, em que se constatou que poucas famílias da comunidade ainda mantêm a tradição do uso familiar e de subsistência da roça que a experiência foi motivada. E é na roça de uma dessas poucas famílias que a experiência se dá. Foi motivada também pela demanda local para fortalecer essas experiências, que resistem às dificuldades apresentadas tais como “terra fraca” e “ataque de formigas”, e também, por conta do alto custo dos produtos alimentares provenientes da cidade, comprometendo a renda familiar.
A partir da identificação de uma família com tradição de roça e interessada em experimentar a agroecologia, realizou-se mutirão comunitário visando um diálogo de saberes articulado com agricultores com experiências agroecológicas na região de Paraty, como o produtor José Ferreira do Sertão do Taquari, e a família do Seu Altamiro da Praia Grande da Cajaíba. Nesse mutirão, constatou-se e investiu-se na necessidade de aumentar a diversidade de espécies, introduzindo-se espécies para adubação verde e outros gêneros alimentares como Feijão guandu, Feijão-de-porco, Gliricídia, Eritrina, Trifose, Girassol, Margaridão, Bucha, Abacaxi, Mandioca, Milho, Abóbora, Amora, Cana e Melancia.
Como primeiros resultados, destacam-se o mutirão e a ecologia dos saberes como um eficiente método para fortalecer a organização e os laços comunitários propiciando um rico ambiente de aprendizagem e troca. A diversificação dos cultivos contribuiu para a geração de renda e para o controle ecológico de formigas. A família de D. Margareti relata muita satisfação em não precisar usar formicida nesta safra e com a colheita de outras culturas, como o feijão guandu, que serviu na alimentação da família e teve seus excedentes comercializados em Paraty. A experiência também tem servido de estímulo a outros moradores da comunidade, formando multiplicadores, de forma que 4 jovens se mobilizaram para implementar uma outra roça agroecológica.
Como contribuição ao ensino, um dos mutirões realizados pela experiência contou com a participação de uma turma de alunos da disciplina Projeto de Extensão III do curso de graduação em Geografia da UFRJ. Os alunos levaram para sala de aula as questões vistas em campo com os agricultores que não são oferecidas pelos currículos, ampliando suas experiências universitárias. Outra contribuição da experiência será no ensino escolar através do edital Ação Griô, em que a família da experiência em questão levará as questões e a prática agroecológica para sala de aula, contribuindo para uma proposta de educação diferenciada, que é outra demanda comunitária.
Como importante consideração, temos que a experiência da abordagem agroecológica tem demonstrado ser uma estratégia eficiente para a segurança e soberania alimentar e para a conservação dos recursos naturais em áreas protegidas diante das restrições legais das políticas ambientais, e da pressão e especulação imobiliária gerando mudanças no uso e posse da terra na região.