Resgate cultural e manejo da agrobiodiversidade em roças indígenas: experiências Kaiabi e Yudja no Parque Indígena do Xingu, MT

Os Kaiabi e os Yudja vivem no norte do Parque do Xingu, onde praticam uma agricultura policultora. Os Kaiabi hoje somam cerca de mil pessoas que ocupam 12 aldeias no Parque. Os Yudja são cerca de 250 indivíduos que habitam três aldeias, todas no Parque. Eles vêm enfrentando historicamente mudanças culturais em seus hábitos alimentares e em seus sistemas agrícolas. Como forma de preservar e resgatar sua cultura agrícola, atuam junto à Associação Terra Indígena Xingu (Atix) e à Associação Yarikayu, que foram criadas para representar os direitos dos povos Kaiabi e Yudja, respectivamente. O manejo de agrobiodiversidade Kaiabi está centrado na cultura do amendoim, enquanto os Yudja têm focado sua atenção na mandioca. A reação dos Kaiabi e dos Yudja às mudanças históricas começou na década de 50 quando Jepepyri (Prepori) Kaiabi, pediu que pequenas amostras de cada variedade agrícola fossem enviadas ao Xingu. O material foi trazido a pé e em canoas, em um percurso de cerca de 500 km que levou mais de dois meses para ser feito. Mais tarde, em 1966, por causa da invasão de terras da aldeia, foi realizada a transferência da maior parte dos Kaiabi que ainda viviam no rio Tatuy, local da origem mítica do povo. Na viagem, feita de avião, também foram trazidas sementes e mudas por iniciativa do Capitão Temeoni Kaiabi, o líder da região. Desde 1992 os filhos de Jepepyri, Arupajup e Tuairajup, assumiram a tarefa de zelar pelo patrimônio genético de seu povo e procuraram apoio externo para melhor desempenhá-la. Em 1997, a proposta foi apresentada ao Instituto Socioambiental (ISA), e a partir de 1998 as ações de resgate e multiplicação de variedades agrícolas passaram a ser trabalhadas em parceria entre a Atix e o ISA. Em 1999 as primeiras parcelas foram plantadas na aldeia Kwaryja, um ano antes do falecimento de Jepepyri. Assim, a curadoria da coleção genética Kaiabi passou para seus filhos, noras e genros. Nos debates que seguiram, os Yudja manifestaram interesse em resgatar as suas variedades, e Mahurima Yudja e os casais Txitxiyaha e Taikapi e Ikae e Isabaru, entre outras pessoas, começaram a exercer o mesmo papel de curadores. Os Kaiabi do Kwaryja iniciaram um trabalho sistemático de recuperação e multiplicação de variedades de amendoim em 1999. Parcelas são cultivadas em uma roça comunitária, já que a aldeia é pequena. Os Yudja passaram a estudar sistematicamente suas variedades de mandioca em 2002, através de oficinas de trabalho na aldeia Tuba Tuba envolvendo jovens, adultos e idosos de ambos os sexos. A partir da identificação de descritores locais para a cultura, foram visitadas roças e estudadas 40 diferentes variedades. os Kaiabi e os Yudja estão buscando capacitação, principalmente para as novas gerações, em gestão e manejo dos recursos naturais.Essa capacitação é feita por meio de diversas modalidades de treinamentos, sempre baseadas em atividades concretas do cotidiano, de caráter participativo e com conteúdo prático e teórico. Para atender demandas como essas, foi criado em 2000 o Programa de formação de agentes indígenas para o manejo de recursos naturais, que inclui o manejo da agrobiodiversidade. O principal mérito desse processo de capacitação é o de trazer ao debate aberto a questão do manejo da agrobiodiversidade, promovendo a valorização ativa, o resgate e o registro desse patrimônio.